domingo, 30 de setembro de 2012

Entrevista com Carlos Nelson Coutinho (1943-2012): a filosofia da práxis no Brasil


Néstor Kohan

Morre um grande amigo e companheiro, o pensador marxista brasileiro Carlos Nelson Coutinho, introdutor de Gramsci no Brasil e interlocutor de Gyrgy Lukács (com quem trocou uma série de cartas). Com um sorriso irônico costumava repetir que “eu não me desloquei à esquerda, sigo sendo o mesmo. Os demais é que caminharam para a direita”...

Carlos Nelson era muito irônico. Lúcido, erudito, amável, fraternal, terno, divertido. Gostava de conversar e beber em companhia. Apesar de profundamente brasileiro, não gostava de dançar. Se sentia comunista, e manteve a coerência em torno dos ideais comunistas, ainda que tenha ido mudando de organização na medida em que estas se “endireitavam”. Começou militando no PCB, depois se incorporou ao PT e finalmente ajudou a fundar o PSoL. Apoiava com entusiasmo o MST.
É bem sabido que Coutinho introduziu os Cadernos do Cárcere de Antonio Gramsci no Brasil. Menos conhecido é seu papel como introdutor de György Lukács.

No Brasil, os primeiros livros de Lukács aparecem em idioma português a partir de 1965: Ensaios sobre literatura [1965]; Literatura e humanismo [1967]; Os marxistas e a arte[1967]; Introdução a uma estética marxistaMarxismo e teoria da literaturaExistencialismo ou marxismo? (Deve-se destacar que não se conta entre eles o melhor de todos:História e consciência de classe).

Dois dos principais introdutores de Lukács no Brasil são Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder, então militantes da corrente cultural do Partido Comunista. Ambos jovens, mantinham naquela época fortíssimas simpatias por História e consciência de classe. Não obstante, sua correspondência com Lukács – na qual lhe iam propondo nomes de livros seus para serem traduzidos e publicados no Brasil – os foi apartando deste rumo.

O filósofo da Hungria tratava de convencê-los de que “este livro está inteiramente superado em seus problemas fundamentais” (Carta de G. Lukács a L. Konder de 9 de junho de 1963). No mesmo sentido, o pensador húngaro insistia: “Gostaria, sobretudo, de advertir contra uma leitura acrítica de ‘História e Consciência de Classe’” (Carta de G. Lukács a Carlos Nelson Coutinho de 31 de agosto de 1963). Mais tarde, uma vez que o jovem Coutinho reconhece haver seguido seus conselhos e haver abandonado a concepção “historicista” do marxismo própria de Lucien Goldmann, J. P. Sartre, Antonio Gramsci e do jovem Lukács, o mesmo Lukács responde o seguinte: “Me alegro com o que você me conta, ou seja, que superou o historicismo abstrato-subjetivista sem cair na grande moda atual do estruturalismo” (Carta de G. Lukács a C. N. Coutinho de 18 de outubro de 1967. As 34 cartas trocadas entre os dois jovens intelectuais brasileiros e o filósofo marxista da Hungria estão reproduzidas no volume coletivo Lukács e a atualidade do marxismo. São Paulo: Boitempo, 2002, pp. 133-156).

Dali em diante Coutinho irá tecendo uma síntese sutil entre a concepção política de Gramsci e a concepção filosófica do Lukács maduro. Ambos ressignificados de acordo com a realidade social e política brasileira na qual Coutinho militou durante toda a sua vida.

Em sua memória e como maneira de homenagear o amigo, companheiro e querido comunista que tivemos a honra de conhecer, reproduzimos a seguir uma síntese de sua obra e uma entrevista que fizemos com ele no México em 1999 para o livro «De Ingenieros al Che. Ensayos sobre el marxismo argentino y latinoamericano».

“A filosofia da práxis no Brasil”

Entrevista com Carlos Nelson Coutinho

Carlos Nelson Coutinho é um dos principais especialistas e investigadores brasileiros sobre o pensamento de György Lukács e Antonio Gramsci, cujas obras introduziu no Brasil. De Lukács, com quem manteve correspondência (junto com seu companheiro Leandro Konder) durante a última década de vida do filósofo húngaro, Coutinho traduziu Marxismo e crítica literária; Introdução a uma estética marxista; Ontologia do ser social. Hegel e Ontologia do ser social. Marx.

Não por acaso, seu primeiro livro de crítica literária, Literatura e humanismo. Ensaios de crítica marxista (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967) é fortemente atravessado por um élan lukácsiano.

Poucos anos depois, utilizando amplamente a conceituação lukácsiana madura da Ontologia do ser social acerca da “razão dialética e da riqueza humanista da práxis”, o pensador brasileiro publicou O estruturalismo e a miséria da razão (1971). Nesta obra, precursora de muitas críticas posteriores, Coutinho questionou duramente as distintas vertentes do pensamento estruturalista – principalmente francês – absolutamente em voga nesses anos, personificadas em Claude Lévi-Strauss, Louis Althusser, Michel Foucault, entre outros. Sua crítica foi uma das primeiras desta tradição a ser sistematicamente realizada na América Latina. De todas estas críticas, sobressai a que dirigiu contra Althusser, cujo pensamento caracterizou como “uma posição de direita, burocrática e conservadora, expressão do racionalismo abstrato e da epistemologia neopositivista”. Cabe esclarecer que neste trabalho Coutinho também criticava, sempre desde a perspectiva do último Lukács, o “subjetivismo irracionalista do humanismo especulativo”. Ainda militando, nessa época, no PCB (organização com que rompeu no início da década de 80 após a publicação de A democracia como valor universal [São Paulo: Ciências Humanas, 1980]), Coutinho arremeteu fortemente em O estruturalismo e a miséria da razão contra “a manipulação burocrática das consciências realizada pelo stalinismo e também pelo neostalisnismo”. Também acusou estas correntes de haver convertido o marxismo em “uma ideologia da confiança e uma sociologia vulgar positivista”.

Junto com a obra de Lukács, Coutinho também recebeu a influência de Antonio Gramsci, de quem traduziu em 1966 O materialismo histórico e a filosofia de Bedetto Croce (publicado com o título de Concepção dialética da história, Civilização Brasileira, 1966); e em 1968 Os intelectuais e a organização da cultura e Literatura e vida nacional (também pela Civilização Brasileira). Se durante o período 1961-65 as obras do jovem Lukács e de Antonio Gramsci foram o horizonte central no pensamento filosófico de Coutinho, desde aproximadamente 1965 até 1975 este lugar será ocupado pelo Lukács maduro (não o Lukács de História e Consciência de Classe, mas o da Estética e da Ontologia do ser social). Nesse período, sua leitura filosófica fortemente lukácsiana do marxismo remetia tangencialmente a discussão também a Antonio Gramsci, cuja filosofia era caracterizada, em O estruturalismo e a miséria da razão, como “um historicismo subjetivista cuja raiz remonta ao jovem Benedetto Croce”. Não obstante, Coutinho seguia marcando a propriedade do estreito vínculo político entre Gramsci e Lenin.

Mais tarde, provavelmente a partir de 1975, de maneira paralela à influência política que recebeu do Partido Comunista Italiano (PCI), principalmente de Palmiro Togliatti, mas não apenas dele, Coutinho reconsideraria estas posições sobre Gramsci. A partir de então, reavaliaria seu legado não só como filósofo, mas principalmente como teórico da política. Publicaria então a primeira versão de sua Introdução a Gramsci (1981, logo ampliada e reeditada em diversas ocasiões), onde destacaria no autor dos Cadernos do Cárcere“ sua ontologia marxista da práxis política” e sua operação de “conservação e superação dialética” das categorias leninistas. Nesta obra, absolutamente laudatória do pensamento gramsciano, ainda se ouviriam ecos do período lukácsiano, como por exemplo quando Coutinho insiste com a tese de que existiriam “resíduos idealistas nas reflexões especificamente filosóficas de Gramsci”.

Nos últimos anos Coutinho buscou repensar o conjunto de sua obra anterior, explorando a fundo a possível articulação entre seus dois grandes amores filosóficos: a obra de Gramsci e a do Lukács maduro, entendendo ambas como duas modalidades diferentes mas complementares de filosofia da práxis. Paralelamente, em termos políticos, tratou de fundamentar a consigna de Rosa Luxemburgo, “Não há democracia sem socialismo, nem socialismo sem democracia”, mas valendo-se centralmente das categoria gramscianas de “sociedade civil” e de “Estado ampliado”. Na Argentina, deram-se a conhecer alguns de seus trabalhos graças às traduções ao espanhol da editora mexicana ERA.

Entre seus últimos livros publicados no Brasil se destacam Cultura e sociedade no Brasil. Ensaios sobre ideias e formas (Belo Horizonte: Oficina do Livro, 1990); Marxismo e política. A dualidade de poderes e outros ensaios (São Paulo: Cortez, 1994 e 1996); Gramsci. Um estudo sobre seu pensamento político (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999) e Contra a corrente. Ensaios sobre democracia e socialismo (São Paulo: Cortez, 2000).

Entre suas traduções ao português, devem ser mencionadas, além das de Gramsci e Lukács, As ideias estéticas de Marx de Adolfo Sánchez Vázquez; Lógica formal, lógica dialética, de Henri Lefebvre; Socialismo e democracia. Escritos 1944-1964, uma antologia de Palmiro Togliatti e a História do marxismo organizada por Eric J. Hobsbawm (publicada originalmente na Itália pela Einaudi). A isto dever-se-ia agregar a edição dos Cadernos do Cárcere – ainda em curso [referência ao ano de 2000, quando este texto foi escrito] de Gramsci (também pela Civilização Brasileira), com os quais Coutinho realizou uma espécie de síntese entre a edição temática de Togliatti e a última edição crítica de Valentino Gerratana.

Atualmente [referência ao ano 2000], Carlos Nelson Coutinho é militante do PT [foi membro-fundador do PSoL a partir de 2004 – N. do T.] e professor e investigador do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A entrevista foi realizada especialmente para este livro [«De Ingenieros al Che. Ensayos sobre el marxismo argentino y latinoamericano», N. do T.].

Néstor Kohan: Em sua obra teórica dois autores ocuparam o centro da cena: György Lukács e Antonio Gramsci. Por que os tomou como paradigmas e interlocutores privilegiados?

Carlos Nelson Coutinho: Creio que Lukács e Gramsci são os autores que melhor desenvolvem as indicações metodológicas de Marx, adequando-as ao século XX e garantindo sua perdurabilidade no século XXI. O último Lukács, ao interpretar o legado filosófico de Marx como uma “ontologia do ser social” – que, a partir da afirmação do trabalho como “modelo de toda a práxis social”, concebe o ser social, ao contrário do ser natural, como uma articulação orgânica entre causalidade e teleologia, entre determinação e liberdade –, me parece haver proposto a mais lúcida leitura filosófica do marxismo. Gramsci, por sua vez, não só compreendeu a essência da filosofia de Marx ao defini-la como “filosofia da práxis”, mas sobretudo promoveu a mais lúcida e criativa renovação da teoria política marxiana, ao formular o conceito de “sociedade civil” e, deste modo, ao elaborar sua noção específica de “Estado ampliado”.

Além disso, penso que, não obstante algumas divergências não essenciais, é perfeitamente possível conjugar as reflexões destes dois grandes pensadores: por exemplo, é muito significativa a função essencial que, em ambos, desempenha o conceito de “catarse”, que em Lukács tem uma dimensão ética e estética e que adota, em Gramsci, uma dimensão especificamente política. Mas, em ambos, a “catarse” aparece como o movimento da práxis onde tem lugar a elevação da particularidade à universalidade, da necessidade à liberdade. Penso que seria um trabalho de inestimável valor para a história do marxismo – e trata-se de uma tarefa que me proponho a tentar – aprofundar este estudo das semelhanças e das diferenças entre as reflexões de Gramsci e de Lukács.

N.Kohan: No Partido Comunista Brasileiro (PCB), no qual você militou durante vinte anos, os textos de Lukács e Gramsci circulavam livremente ou estavam de algum modo “proscritos” em função dos manuais soviéticos?

C.N.Coutinho: Ingressei no PCB em 1960, isto é, depois do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), ou seja, depois da denúncia dos crimes de Stalin. A atmosfera cultural já era, então, mais aberta. O PCB (que, diga-se de passagem, não foi jamais tão sectário e dogmático quanto o Partido Comunista Argentino) experimentava neste momento o desafio de outros agrupamentos de esquerda, sobretudo dos cristãos progressistas, e por isso aceitou que seus intelectuais mais jovens propusessem novos autores marxistas. Nos anos 60, publicamos no Brasil não somente Gramsci e Lukács, mas também importantes pensadores da Escola de Frankfurt, como T. Adorno, W. Benjamin e H. Marcuse. Já nos anos 60, no Brasil ninguém levava a sério os manuais soviéticos.

Entretanto, existia uma “divisão do trabalho” tácita: nós, os intelectuais do Partido [PCB], podíamos apresentar e defender Gramsci e Lukács como “filósofos”, mas a definição da linha política era algo reservado à direção do Partido. Por isso, por exemplo, foi muito unilateral a primeira recepção de Gramsci no Brasil: ele era apresentado por nós como o mais brilhante filósofo e crítico literário marxista, mas ficou em silêncio a inegável dimensão política de sua obra. Isto é: o caminho estava aberto para defender Gramsci como o promotor de uma “filosofia da práxis”, mas não como teórico da “revolução no Ocidente”, quer dizer, como uma alternativa aos paradigmas etapistas e rupturistas da III Internacional, a Internacional Comunista.

N.Kohan: Algo semelhante aconteceu na Argentina, quanto a esta “divisão do trabalho” que você menciona, no tocante à recepção gramsciana de Agosti. Você conhecia sua obra? Ela teve influência em sua primeira aproximação de Gramsci?

C.N.Coutinho: De Agosti, me lembro de haver lido Defensa del realismo; Nación y cultura; Cuaderno de Bitácora; Para una política de la cultura – todos em espanhol – e seu único livro publicado no Brasil: Problemas atuais do humanismo. Pelo que me lembro – pois li Agosti nos anos 60, já faz tempo – eu estava, no geral, de acordo com suas posições, mas não diria que tenha me influenciado. Me interessei por ele por ter lido, em 1961, seu prefácio à velha edição argentina de El materialismo histórico y la filosofia de Benedetto Croce. Depois, o conheci brevemente quando ele veio ao Rio de Janeiro.

N.Kohan: Você teve, junto com Leandro Konder, um intercâmbio epistolar com Lukács, talvez o único da América Latina. Como aconteceu? Quais foram os temas sobre os quais conversaram? De todas as cartas que Lukács te enviou, qual seria a que te resultou mais interessante?

C.N.Coutinho: Meu amigo Leandro Konder escreveu a Lukács (utilizando o endereço do Movimento dos Partidários da Paz), creio que pela primeira vez em 1961, e o filósofo lhe respondeu com muita simpatia e cordialidade. A partir de então, e até a morte de Lukács, em 1971, trocamos com ele, Konder e eu, umas vinte ou trinta cartas. Certamente, a maioria delas não tem grande interesse teórico, tratando por exemplo de edições brasileiras de suas obras etc. Mas creio que algumas têm, sim. Por exemplo, respondendo a Konder, em 1962, Lukács disse que conhecia a obra de Gramsci. Depois disto, tanto em entrevistas quanto no capítulo sobre ideologia na Ontologia do ser social, Lukács cita a Gramsci, sempre de modo crítico, mas com inegável simpatia. Chegou a dizer que ele, Korsch e Gramsci, nos anos 20, haviam tentado mas não tiveram êxito em encontrar soluções adequadas à questão do “renascimento do marxismo”. E concluía dizendo: “Gramsci era o melhor de nós”. Será que Konder chamou a atenção de Lukács sobre a importância de Gramsci? Eu, de minha parte, estava escrevendo nos anos 60 um ensaio sobre F. Kafka, onde tentava – contra a letra de Lukács, mas, eu acreditava, fiel ao espírito de seu método – demonstrar que Kafka era um realista. Apresentei em uma carta a Lukács minhas ideias centrais sobre Kafka. Bem, ele me respondeu, em 1968, fazendo uma autocrítica explícita de seu livro La significación presente del realismo crítico [publicado no Brasil com o título Realismo crítico hoje, N. do T.], no qual, como se sabe, há um capítulo absurdamente intitulado “Franz Kafka ou Thomas Mann?”. Na carta me dizia com todas as letras que havia escrito este livro em condições desfavoráveis e que certamente era preciso reavaliar Kafka. Trata-se sem dúvida de uma carta importante, tanto que Nicolás Tertulián – um dos principais lukácsianos de hoje – já a citou algumas vezes, registrando o fato de que é a única carta onde Lukács procede a uma autocrítica explícita daquele livro e de suas posições negativas sobre Kafka.
Uma investigadora brasileira, Tania Tonezzer, publicou algumas destas cartas em uma revista italiana.

N.Kohan: Em seu trabalho O estruturalismo e a miséria da razão (1971), você saiu bem cedo em ataque à corrente althusseriana, inclusive quando seus textos causavam furor e eram moda indiscutida na América Latina. A quem se deveu esta decisão? Foi uma resposta frente à proliferação dos manuais de Marta Harnecker?

C.N.Coutinho: Quando escrevi O estruturalismo e a miséria da razão, em 1971, não conhecia ainda o manual de Marta Harnecker, que certamente não foi um evento positivo na divulgação do marxismo na América Latina. Afortunadamente, este manual não teve no Brasil a mesmo influência que teve em outros países latino-americanos. Quando meu livro foi publicado (simultaneamente no Brasil e no México), eu era um lukácsiano quase fanático, que além disso já conhecia Gramsci bastante bem: não me podia satisfazer a leitura althusseriana de Marx, que se contrapunha a uma linha de interpretação do marxismo – digamos, humanista e historicista – com a cual estava e estou de acordo até hoje. Ademais, naquele momento, quando a ditadura militar havia assumido sua face mais repressiva no Brasil, Althusser paradoxalmente exercia influência entre nós no sentido de duas tendências díspares, mas a ambas das quais eu me opunha. Por um lado, por intermédio de Regis Debray, Althusser tinha forte presença nas correntes de ultra-esquerda, que, em clara divergência com o PCB, propunham o caminho da luta armada; por outro, também tinha ascendência sobre setores da intelectualidade que, sobretudo na Universidade, buscavam, em nome de uma superação da “ideologia” e do “humanismo”, reduzir o marxismo a uma pura metodologia das ciências, sem nenhuma dimensão prática. Meu livro tinha assim, não obstante sua dimensão teórico-filosófica, uma clara finalidade de política cultural. Era parte de uma batalha político-ideológica, feita (devido à censura ditatorial) de forma mais ou menos dissimulada.
Não sei se ainda estou de acordo com tudo o que escrevi ali há quase trinta anos. Mas me agrada muito que você, que mal havia nascido quando o livro foi publicado, ainda fale dele.

N.Kohan: Você teve alguma relação com o grupo de marxistas ligados nos anos 60 a José Arthur Giannotti? Que papel desempenhou este grupo no marxismo brasileiro?

C.N.Coutinho: Não, não tive nesta época relação alguma com este grupo. Muitos de seus integrantes são hoje em dia meus amigos pessoais, mas havia então uma clara diferença (quase uma oposição!) entre os marxistas do Rio de Janeiro (quase todos vinculados ao PCB) e os marxistas de São Paulo (quase todos professores universitários e sem partido). O grupo que formou o “marxismo paulista” era já então muito diversificado, e as divergências entre eles cresceram ainda mais com o tempo. O grupo de São Paulo se estruturou em torno de um famoso seminário sobre O Capital do qual fizeram parte – para que seja possível avaliar as diferenças! – tanto meu amigo Michael Löwy quanto o atual presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso [referência em 2000, ano da entrevista, N. do T.].

Agora, muitos dos integrantes deste grupo já não são marxistas hoje: este é o caso, para não falar de Cardoso, também de Giannotti. É certo que tiveram uma influência no marxismo brasileiro, inclusive positiva, sobretudo porque criticaram as formulações errôneas do PCB, por exemplo a ideia de que existiria uma “burguesia nacional” progressista e anti-imperialista. Cardoso, por exemplo, em um brilhante livro de inícios dos anos 70, mostrou muito bem que a burguesia brasileira queria a associação com o imperialismo. Sustentou então que a meta de nossa burguesia era um “desenvolvimento dependente-associado”. Mas quem poderia imaginar nessa época que ele mesmo se converteria mais tarde em executor desta política?

Em geral, creio que alguns dos expoentes do chamado “marxismo paulista” tiveram no Brasil o mesmo papel que tiveram os “marxistas legais” na Rússia: leram O Capital para sustentar que deveríamos nos “modernizar”, desenvolver as forças produtivas, mas na prática fizeram da burguesia o ator desta modernização. Portanto, o itinerário de Cardoso não é um raio em dia de céu azul.

N.Kohan: Você escreveu um ensaio sobre Caio Prado Jr. Que repercussões teve na cultura de esquerda brasileira sua obra historiográfica questionadora do relato canonizado pelo stalinismo sobre o suposto “feudalismo” latino-americano?

C.N.Coutinho: Caio Prado Júnior foi o primeiro a tentar seriamente uma interpretação do Brasil a partir de categorias marxistas. Seu ensaio Evolução política do Brasil, de 1933, constitue um marco na cultura brasileira. Ainda mais decisivos são seus livros sobre a Formação do Brasil Contemporâneo, Colônia, de 1943 [o livro foi lançado, na verdade, em 1942, N. do T.], e sua História econômica do Brasil, de 1945.

Caio Prado Júnior – tal como Mariátegui – não conhecia muito bem o marxismo. Pode-se ver facilmente que era escassa sua familiaridade não apenas com as obras de Marx, mas também com as dos marxistas posteriores. Sem dúvida, tal como o Amauta [apelido para Mariátegui, derivado do nome dado pelos incas a seus educadores, posteriormente adotado por ele como nome para sua revista de política, socialismo, arte e cultura, N. do T.], intuiu muito bem os traços principais da evolução de nossos países para o capitalismo, isto é, o fato de que esta evolução seguiu uma via “não-clássica”, caracterizada pela permanência de traços pré-capitalistas, fortemente autoritários e excludentes, baseados em formas de coerção extra-econômica sobre os produtores diretos. Como Mariátegui, Caio Prado Júnior “inventou” categorias muito semelhantes às de “via prussiana” (Lênin) e de “revolução passiva” (Gramsci). Por isso, e neste caso também como o Amauta, Caio Prado – mesmo tendo sido militante do PCB – sempre se opôs abertamente à “leitura” terceiro-internacionalista do Brasil. Seu último livro significativo, de 1966, intitulado A revolução brasileira, é uma crítica muito dura aos paradigmas da III Internacional utilizados pelo PCB. É indiscutível sua importância – ao lado de outros, como por exemplo Florestan Fernandes, que jamais militou no PCB – para a construção de uma “imagem marxista do Brasil”.

N.Kohan: A publicação de seu ensaio Introdução a Gramsci (1981) ocorreu na mesma época do surgimento do Partido dos Trabalhadores (PT), do qual agora [2000, N. do T.] você é militante. Houve alguma relação entre ambos os fatos?

C.N.Coutinho: Meu livro sobre Gramsci – que teve várias edições, incluindo a mexicana que você cita, a última das quais de 1999 com o título Gramsci, Um estudo de seu pensamento político – foi escrito no momento de minha ruptura com o PCB. Nessa época, era já mais ou menos consciente de que a proposta gramsciana, que leva à formulação de um vínculo orgânico entre socialismo e democracia, era incompatível com a herança teórica e política do PCB, ou, mais precisamente, com a herança política da III Internacional à qual o PCB se mantinha vinculado.

Mas, naquele momento, não me parecia também que o neonato PT fosse o legítimo herdeiro da lição gramsciana. O PT surgiu marcado por um forte e soreliano [o termo é referente a Georges Sorel, militante e teórico francês do “sindicalismo revolucionário” que exerceu grande influência na virada do século XIX para o XX, tendo tido ascendência inclusive sobre o jovem Lukács pré-marxista, N. do T.] “espírito de cisão”: não fazia alianças, parecia preferir, ao frentismo inconsequente do PCB, um completo isolamento político. Assim, fiquei sem partido até 1989, quando finalmente, depois de muitas dúvidas, ingressei no PT. Creio que, enquanto isso, mudamos os dois, eu e o PT. E continuamos mudando, talvez o PT mais que eu. Quando ingressei no PT, me diziam que eu estava “à direita”, sobretudo porque acreditava, como acredito ainda hoje, que sem democracia não há socialismo. Hoje, dez anos depois, no interior do Partido, estou “à esquerda”. E sabe por quê? Porque também continuo convencido de que sem socialismo não há democracia. Não creio que esta seja uma situação confortável, mas me parece que meu destino é ser sempre heterodoxo nos partidos nos quais milito. Ainda assim, minha militância resulta do fato de que, em minha opinião, ainda não se inventou um modo melhor de fazer política do que os partidos.

N.Kohan: Fazendo um balanço retrospectivo de sua obra e de sua atividade militante, o que te trouxe no plano da ética o envolvimento desde tão jovem com o universo filosófico de Karl Marx?

C.N.Coutinho: Uma experiência inesquecível! Lembro-me de ter lido Marx aos 15 anos. Foi um acaso muito feliz para mim o fato de que meu pai tinha em sua biblioteca o Manifesto Comunista. Em minha geração, não creio que ninguém tenha lido o Manifesto sem consequências definitivas em sua formação. Com Marx, não aprendi somente a ver melhor o mundo, a compreendê-lo de modo mais adequado. Estou seguro de que também devo à leitura precoce de Marx o melhor de minha formação ética. Mais tarde, Gramsci me revelou qual é a mais lúcida norma de vida para um intelectual marxista: “pessimismo da inteligência, otimismo da vontade”. Nesta época difícil de refluxo dos objetivos pelos quais temos sempre lutado, não há modo melhor de nos mantermos fiéis à lição de Marx do que aquele sugerido nesta indicação de Gramsci: uma análise fria e serena da realidade, mas que deve ser complementada pela conservação dos motivos éticos e racionais que iluminaram e guiaram nossas vidas.
Tradução: Victor Neves, militante do PCB (Partido Comunista Brasileiro)

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Cidades privadas em Honduras: e se essa moda pega?


Na prática, o governo está entregando estas áreas para empresas transnacionais estrangeiras que nelas deverão construir “cidades modelo”
13/09/2012

Raquel Rolnik

Na semana passada, o governo de Honduras assinou um acordo com uma empresa dos EUA para iniciar a construção das chamadas Regiões Especiais de Desenvolvimento. Na prática, o governo está entregando estas áreas para empresas transnacionais estrangeiras que nelas deverão construir “cidades modelo”, ou “charter cities”.

Trata-se de áreas “recortadas” do espaço institucional e político do país, convertidas em uma espécie de território autônomo — com economia, leis e governo próprios — totalmente implementado e gerido por corporações privadas. Idealizado por um pesquisador norte-americano, este modelo de cidade foi recusado por muitos países, inclusive pelo Brasil — Ufa! — antes de ser aceito em Honduras, através de uma mudança da Constituição aprovada em janeiro deste ano.

Organizações da sociedade civil, incluindo grupos indígenas cujos territórios podem estar inseridos nas zonas “liberadas”, vêm criticando o projeto, que consideram catastrófico, e já acionaram a Suprema Corte de Honduras, alegando inconstitucionalidade.

Versão extrema de um liberalismo anti-Estado e pró-mercado, o fato é que este modelo, na verdade, exacerba uma lógica privatista de organização da cidade, já presente em várias partes do Brasil e do mundo, como é o caso dos condomínios fechados, das leis de exceção vigentes sobre áreas onde se realizam megaeventos esportivos, dos modelos de concessões urbanísticas, entre outros exemplos possíveis.

A ilusão de uma sociedade sem Estado, teoricamente livre da burocracia, da corrupção e do abuso de poder, é na verdade a ditadura do consumo e do poder absoluto do lucro sobre a vida dos cidadãos. Imagina se essa moda pega…

Raquel é urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada. 
(Texto publicado originalmente no Yahoo! Colunistas)

A comida no Cassino Global


A comida colocada no cassino global serve bem aos especuladores e ao agronegócio, mas não serve às pessoas. Nós precisamos tirar a comida das mesas de jogos e colocar no prato das pessoas. Felizmente, o interesse crescente sobre a especulação de alimentos tem forçado alguns bancos a frear os investimentos nessas commodities. A análise é da física e ativista indiana Vandana Shiva.

Vandana Shiva*

Comida é nossa nutrição. Recurso de vida. Desenvolvimento, processamento, transformação e distribuição alimentar envolvem 70% da humanidade. Comê-la envolve todos nós. Ainda não é a cultura ou os direitos humanos que estão moldando a atual economia alimentar dominante. A especulação e lucros é que têm este papel no desenho da produção alimentar e sua distribuição. Colocar a comida num cassino financeiro global é um projeto para a fome.


Depois da crise americana do subprime e a quebra de Wall Street, investidores fugiram para o mercado de commodities, especialmente petróleo e commodities agrícolas. Enquanto a produção real não aumentou entre 2005-2007, a especulação em commodities cresceu 160%. Especulação esta que aumentou preços, que por sua vez somaram mais 100 milhões de pessoas ao grupo da fome. Barclays, Goldman Sachs, JP Morgan - estão todos apostando suas fichas no cassino global dos alimentos. Veja uma propagando de 2008 do banco estatal alemão: “Você gosta de aumento nos preços? Todo mundo fala sobre commodities – com o Fundo Europeu de Agricultura você pode ter benefícios do aumento no valor das sete mais importantes commodities agrícolas”. Quando a especulação dirige os preços, os investidores ricos só fazem enriquecer ainda mais, e os pobres passam fome. A desregulamentação financeira que desestabiliza o sistema financeiro mundial está também desestabilizando o sistema mundial alimentar. O aumento de preço não é só um resultado de oferta e demanda. É predominantemente um resultado da especulação.


Entre 2003 e 2008, a especulação do índice de commodity cresceu cerca de 1.900%, valores estimados, para 260 bilhões. Trinta por cento deste índice de fundos foram investidos em commodities de alimento. Como a Agribusiness Accountability Initiative afirma, “vivemos num admirável mundo novo de 24 horas de transações eletrônicas, disparada por algorítimos de índices compostos de preços, acessos de investidores, ‘desconfiança’ e ‘dark pool’ (atividade financeira além da feitas em bolsas de valores) desregulamentado de mais de 7 trilhões na baila das transações de derivativos de commodities”.


E mais: "O mundo financeiro da commodity não tem nenhuma relação com comida, seus provedores ou aqueles que se alimentam, com as estações, semeaduras ou colheitas. Diversidade alimentar é reduzida a oito commodities e entra no pacote do índice de composição de preço”.


Estações são trocadas por transações 24 horas. Produção alimentar desenvolvida pela luz do sol e fotossíntese agora são dirigidas pelos “dark pools” de investimentos. A tragédia é que este mundo ilusório é culpada pela fome de pessoas reais no mundo real. No livro “Bolha Alimentar: como Wall Street deixou milhões de famintos e saiu ilesa”, Fredirick Kaufman diz “a história da alimentação sofreu uma reviravolta ameaçadora em 1991, no tempo em que não se prestava muito atenção nisto. Foi o mesmo ano em que o Goldman Sachs decidiu que nosso pão seria um excelente investimento”. E a entrada de investidores como Goldman Sachs, AIG Commodity Índex, Bear Sterns, Oppenheiner e Pimco, e Barclays permitiram que o agronegócio aumentasse seus lucros. No primeiro quarto de 2008, a Cargill atribuiu 86% de crescimento de seus lucro ao comércio de commodity. ConAgra vendeu seu setor comercial para um fundo de hedge por 2,8 bilhões de dólares.


Apostar fichas no preço do lucrativo trigo afastou o grão de 250 milhões de pessoas. A especulação tem separado o preço de comida de seu valor de comida. Como contou Austin Da-mani, um corretor de trigo, “estamos comercializando trigo, mas nunca veremos este trigo. É uma experiência cerebral”.


O alimento é uma experiência ecológica, sensorial e biológica, com a especulação isto foi removido da sua própria realidade. Mercado de grãos tem se transformado, com o comércio de futuros pelas gigantes do grão em Chicago, Cidade de Kansas e Minneapolis combinados com a especulação por investidores.


Como diz sr. Kaufman, “trigo imaginário comprado em nenhum lugar afeta o trigo real comprado em qualquer lugar”. Então se nós não ‘descommotizarmos’ a comida, o alimento, mais e mais pessoas serão impedidas de comer; com a grande quantia de dinheiro que é injetado neste casino global, os processos artificiais da especulação aumentam o preço da comida, e acabam por consequência colocando a comida fora de alcance de milhões.


As regras da OMC, os programas estruturais do Banco Mundial, o FMI e o acordo bilateral de comércio forçaram a integração das economias locais e nacionais de alimentos ao mercado global. Por este motivo, agora o sistema financeiro global está especulando sobre as commodities de alimentos, influenciando preços e o direito de a pessoa mais pobre ter acesso à comida no canto mais remoto do mundo.


O crescimento dos preços sobre alimentos começou a reaparecer em 2011. De acordo com a Organização Mundial das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação, a FAO, em janeiro de 2011 o índice de preço de alimentos subiu 3,4% sobre dezembro do ano anterior. O índice dos cereais marcou 3% acima do mesmo dezembro, e foi o maior índice desde julho de 2008, embora tenha continuado 11% abaixo do pico de abril de 2008.


Na Índia, o preço da cebola pulou de 11 rúpias/kg em junho de 2010, para 75/kg em janeiro de 2011. Enquanto a produção de cebola subiu de 4,8 milhões de toneladas em 2001-2002 para 12 milhões em 2009-2010, os preços também acompanharam o acréscimo, mostrando que na especulação do mercado não existe correlação entre produção e preços. A diferença de preço entre venda total e a retenção é de 135%.


A comida colocada no cassino global serve bem aos especuladores e ao agronegócio, mas não serve às pessoas. Nós precisamos tirar a comida do cassino global e colocar no prato das pessoas. Democracia e soberania alimentar só podem ser alcançadas se terminarmos com a especulação financeira.


Josette Sheeran, diretor executivo do Programa Mundial de Alimentação, indicou que uma das causas da revolução egípcia é o aumento no preço dos alimentos. "Em muitos protestos, manifestantes brandiam pão ou exibiam faixas que reclamavam do aumento no preço de alimentos básicos como a lentilha. Quando se trata de comida, as margens entre estabilidade e caos são extremamente próximas. A volatilidade no mercado pode traduzir bem a volatilidade nas ruas, e todos devemos nos manter vigilantes".


O interesse crescente sobre a especulação de alimentos tem forçado alguns bancos a frear os investimentos em commodities do setor. O Banco Comercial (Commerzbank) da Alemanha e o Banco Popular (Volksbanken) da Áustria removeram, ambos, produtos agrícolas de suas listas de operações financeiras. O Banco Alemão fez o mesmo antes. É tempo de todos os governos e todas as instituições financeiras colocarem o direito a comida acima da fome por lucros.


*Publicado originalmente em The AsianAge


Tradução de Caio Sarack de Mello


domingo, 16 de setembro de 2012

SÓ UMA FRENTE CLASSISTA UNITÁRIA SERÁ CAPAZ DE BARRAR A NOVA OFENSIVA CONTRA OS DIREITOS TRABALHISTAS


(Nota Política do PCB)

“O princípio básico para a modernização das relações trabalhistas está na livre convergência de interesses, como forma de resolver os conflitos, ao invés de submetê-los à tutela do estado”. (Fernando Henrique Cardoso)

“Os novos líderes metalúrgicos do ABC substituíram o confrontacionismo por atitudes cooperativas e relações de parceria”. (editorial de O Estado de São Paulo)

“A lei tolhe a autonomia de trabalhadores e empresários, impondo uma tutela do estado, um barreira para um equilíbrio mais consistente; onde há controle excessivo e regras engessadas, a liberdade morre”. (Sindicato dos Metalúrgicos do ABC)

“A legislação impede os empresários de resolver problemas que a competitividade moderna impõe”. (Sérgio Nobre, Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC)

Anuncia-se para logo após as eleições municipais deste ano a apresentação ao Congresso Nacional de mais um projeto de “flexibilização” dos direitos trabalhistas, o que significa flexibilizar para baixo, pois para cima não há necessidade de alterar qualquer lei; as leis trabalhistas no Brasil estabelecem patamares mínimos de direitos. Se um acordo coletivo prevê adicional de horas extras superior ao patamar mínimo de 50%, ele é legal; caso o percentual seja abaixo deste patamar, ele é nulo de pleno direito. Da mesma forma, as férias remuneradas não podem ser inferiores a trinta dias e assim em diante.

A novidade leva o título de “Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico” (ACE), que tenta consagrar o velho sonho de consumo dos empresários, no sentido de que “o acordado prevaleça sobre o legislado”, como se houvesse “livre negociação” entre a forca e o enforcado.

O risco de este projeto ser aprovado é muito maior do que os anteriores. O projeto apresentado por FHC em 2001 foi detonado pelo PT e pela CUT, então na oposição e ainda não totalmente degenerados. O projeto apresentado por Lula em 2005, sob o título de “reforma sindical”, foi por ele retirado no ano seguinte, para não perder o apoio dos trabalhadores à sua reeleição, diante da resistência do sindicalismo classista e até de setores da própria CUT. Mas Lula fatiou o seu projeto e no segundo mandato conseguiu implantar alguns de seus objetivos, como o fim da garantia de manutenção de direitos através do dissídio coletivo e a institucionalização e cooptação das centrais sindicais, atribuindo-lhes recursos do imposto sindical. Ao invés da redução da jornada de trabalho e do fim das horas extras, generaliza-se o Banco de Horas, que amplia a jornada de trabalho sem remuneração. No lugar do aumento real de salários, prevalece a Participação nos Lucros, que não incide sobre as verbas salariais, é isenta de encargos sociais e não se incorpora aos salários.

Caso aprovado este projeto, os acordos coletivos por empresas terão plena garantia jurídica para a flexibilização de direitos para baixo, impedindo qualquer contestação judicial.

Com duração de até três anos e prevalecendo sobre convenções coletivas, a generalização destes acordos específicos poderá inviabilizar campanhas salariais unificadas nas datas-bases, greves gerais por categorias e ramos de produção e, o que é mais preocupante, esmorecer o espírito de classe entre os trabalhadores. Será o melhor dos mundos para o capital levar a efeito seu projeto de “interiorização dos conflitos na empresa”, local mais favorável para pressões sobre os trabalhadores.

Outro objetivo do projeto é a implantação no Brasil do modelo norte-americano de sindicato por empresa, propício à conciliação de classe, para fazer com que os trabalhadores “vistam a camisa da empresa”, sentindo-se seus parceiros, colaboradores. É o modelo oposto ao do sindicato por ramo de produção, defendido pelas correntes classistas, que estimula a unidade na luta e a consciência de classe.

O projeto em verdade legitima o sindicalismo por empresa que já vem sendo praticado há mais de vinte anos pelos metalúrgicos do ABC, disfarçado sob o nome de Comissão de Empresa, um instrumento de conciliação de classe dirigido pelo setor de RH das empresas em parceria com os burocratas sindicais, na lógica de ajudar a alavancar os lucros das empresas para garantir os empregos do “público alvo” cativo do sindicato, mesmo à custa de perda de direitos. O sindicato se transforma num cartório de registro de acordos específicos, como depositário e fiador deles

As citações com que abrimos esta nota revelam o quanto esta tentativa de “flexibilizar” para baixo direitos trabalhistas é muito mais perigosa que as anteriores. Ela será apresentada como uma espécie de pacto social, tripartite, acima das classes, um consenso entre a CUT e as outras centrais pelegas, a CNI e todas as lideranças empresariais, o PT e o PSDB, o governo e a oposição burguesa.

E para procurar iludir os trabalhadores, o projeto de lei será apresentado pela CUT (hoje um aparelho do PT a serviço do governo), pelo simbólico Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, com o aval de Lula, e por umMinistro do Trabalho que ostenta o sobrenome Brizola, identificado com o trabalhismo.

Chamamos atenção para o fato de que o projeto terá que tramitar num Congresso Nacional hegemonizado amplamente por representantes do capital. À semelhança do que aconteceu com o Código Florestal, a emenda será pior que o soneto.

Este projeto é o ponto alto dos recentes ataques do governo aos trabalhadores, já materializados na desoneração generalizada da folha de pagamentos na indústria, no projeto de nova contra-reforma da previdência e na correria para aprovar a lei da greve no serviço público, medidas que contam com o apoio explícito ou o silêncio cúmplice das centrais sindicais oficiais, correias de transmissão do capital entre os trabalhadores.

Conclamamos todas as forças políticas e movimentos sindicais e populares antagônicos ao capital a juntos forjarmos uma combativa unidade de ação na luta em defesa dos direitos trabalhistas, analisando a possibilidade da convocação de um grande evento nacional para marcar a resistência dos trabalhadores a este projeto, cujos objetivos  são promover a conciliação de classe, reduzir direitos e fazer avançar ocapitalismo brasileiro, aprofundando ainda mais a exploração sobre a classe trabalhadora.

PCB – Partido Comunista Brasileiro

Comitê Central

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

O direito de greve é de todos os trabalhadores. Não à repressão!


(Nota Política do PCB)

O Governo deverá enviar ao Congresso, provavelmente ainda no mês de outubro, um projeto para “regulamentar” o direito de greve dos servidores públicos. Entre as principais motivações alegadas, estão a necessidade de garantia das chamadas “atividades essenciais” (que não poderiam ser paralisadas, em nenhuma condição) e a restrição às “operações – padrão” em que os servidores exercem as atividades rigorosamente conforme as determinações exigidas, sem deixar de fazer nenhum procedimento previsto e fazendo a divulgação, para o público, de suas reivindicações. A versão inicial, anunciada  pelo governo, fala em exigência de manutenção de atividades na ordem de 50 a 80%, dependendo do setor, entre outras restrições em caso de greve.

Com apoio da grande mídia, o governo e as representações da burguesia combatem ferozmente as greves de servidores, seja com a omissão de sua existência nos noticiários, seja com a ampla divulgação dos “transtornos” causados pelos movimentos, como os engarrafamentos nas estradas, as filas nos aeroportos os alunos sem aulas. A mídia fala muito, também, dos “altos salários” (inexistentes, na grande maioria das carreiras) e dos “privilégios” dos servidores, como o instituto da estabilidade.

O Governo envia este projeto num momento em que muitas greves vêm sendo deflagradas no serviço público: professores e servidores técnico-administrativos das universidades e institutos tecnológicos federais, policiais rodoviários, policiais federais e outras categorias entraram massivamente em greve, após muitos meses de tentativas frustradas de negociar reajustes salariais para fazer frente às perdas geradas pela inflação dos últimos anos e para a reestruturação das respectivas carreiras.

Com o alastramento do movimento por um número cada vez maior de categorias, nem mesmo os sindicatos e as centrais sindicais que haviam sido cooptadas pelo bloco de poder burguês instalado no Brasil – com a oferta de cargos diversos e outras benesses  para as suas lideranças – conseguiram conter a insatisfação de suas bases. O governo, mesmo abrindo alguns processos de negociação, lançou mão de ameaças de corte de ponto e de diversos outros tipos de intimidação. É bom lembrar que a negociação sobre a reposição dos dias parados é parte de qualquer processo de enfrentamento entre trabalhadores e patrões, estes, no caso em questão, representados pelo Estado. Os professores das universidades federais que saíram  da greve reporão as aulas não dadas ao longo da paralisação.

A esse enfrentamento com os servidores, somam-se, para o governo, desgastes como o baixo crescimento da economia, o baixo desempenho eleitoral do PT e dos demais partidos aliados, os efeitos do desmonte da saúde e da previdência públicas, das péssimas condições de vida, dos empregos precarizados e mal-remunerados que formam, hoje, o quadro dominante para a maioria dos trabalhadores.

O direito de sindicalização dos servidores públicos foi conquistado na constituição de 1988, assim como o direito à greve. Foi uma conquista importante, possibilitada pelo acúmulo de forças das grandes mobilizações e lutas que, forjadas no enfrentamento da ditadura, da carestia e das precárias condições de vida e trabalho que predominavam para a maioria dos trabalhadores, culminaram em conquistas importantes para a maioria da população brasileira no texto constitucional aprovado na Assembléia Constituinte (esta própria um resultado da luta popular). A Organização Internacional do Trabalho, em sua Convenção 151, ratificada pelo Brasil, prevê a negociação coletiva e a fixação de data base para as categorias de servidores públicos.

A estabilidade do corpo de funcionários que trabalham para o Estado foi instituída, há muito tempo, como uma garantia para o próprio Estado. É uma salvaguarda para que, com as trocas de governo, não se promova uma troca de pessoal por motivação político-partidária, para que esse corpo de trabalhadores, contratado após a realização de concursos públicos,  possa servir à população, levar até ela os serviços a que tem direito, e daí vem o nome de servidor.

Cercear o direito de greve dos servidores é uma ação que transcende o plano conjuntural, é parte de um projeto maior de dominação burguesa, que, dadas as condições em que o capitalismo opera hoje, precisa aumentar a taxa de exploração do trabalho para garantir sua sobrevivência. É um direito que vem sendo minado, na prática, pelos governos Collor, FHC, Lula e agora Dilma, com a terceirização de serviços do Estado, a redução de salários e a retirada da data-base para a negociação dos reajustes salariais do funcionalismo, feita sob a alegação de que era preciso “não realimentar a inflação”.

A luta de classes se dá em todas as esferas. No que diz respeito ao Estado e seu papel, é preciso não apenas resistir à destruição da parte do Estado que se volta para o atendimento das necessidades da maioria da população como também fortalecê-lo e transformá-lo, torná-lo cada vez mais passível de controle pelos trabalhadores até a sua transformação – como parte de uma luta maior contra o sistema capitalista – em outro Estado, um Estado da classe trabalhadora, um Estado socialista.

É preciso esclarecer a população que o prejuízo maior não é pela falta de aulas que ocorre durante as greves de professores ou de atendimento de saúde que ocorre durante as greves de profissionais de saúde, mas sim pela falta de escolas, de hospitais, de universidades para todos, com pessoal qualificado e bem pago, com alta qualidade. Defender o direito de greve dos servidores públicos é defender o direito da população lutar pelos seus direitos.

Nesse sentido, os movimentos de servidores devem buscar o diálogo com a população, buscar seu apoio militante, incorporar em suas ações a defesa da universalização do acesso à escola, à saúde, à previdência, à moradia, ao direito e à estabilidade de emprego. Devem somar forças com as categorias em luta no setor privado.

O Governo teme o poder dos movimentos de servidores por conta desse imenso potencial de luta e persuasão, que sempre exerceu, mesmo antes da conquista do direito de greve, em 1988. O momento exige mais ação de todos os servidores públicos, de toda a classe trabalhadora, para barrar essa nova ameaça ao direito fundamental de todos os trabalhadores de lutar por seus direitos.
Nenhum direito a menos!!!!
Comissão Política Nacional
Partido Comunista Brasileiro

AS CAÇADAS DE PEDRINHO À CAÇA DA LIBERDADE INTELECTUAL - CONTRA O OBSCURANTISMO PSEUDO-LIBERTADOR!


Antonio Carlos Mazzeo*

Não me estranha ler nas páginas dos jornais manifestações de xenofobia e racismo. Elas estão por toda parte, em todo o mundo. Ciganos na França e na Itália, árabes, romenos e polacos em toda a Europa, latinoamericanos e negros nos EUA, índios no Brasil central, negros e nordestinos no Brasil meridional, etc. Um velho fenômeno muito discutido, mas pouco apreendido em suas raízes fundantes. O ponto nevrálgico e "universal" dessa discriminação é que todas essas populações discriminadas tem como origem países ou regiões miseráveis. São os "Condenados da Terra", como diria Frantz Fanon, sem perspectivas, abandonados à própria sorte, estigmas vivos, membros permanentes da inclusão exclusora da ordem e da lógica do capitalismo.

Muitos intelectuais e ativistas de movimentos contra o racismo e a discriminação apontam como elemento central do problema duas questões correlatas: a cultura e a ideologia no que, em princípio, mas só em princípio, estamos de acordo. A dominação política (aqui em sentido ideo-cultural) sempre foi acompanhada por justificativas de superioridade, seja "racial", seja "cultural". Toda forma social hegemônica buscou legitimação afirmando-se como superior diante dos outros povos. Até seus deuses eram maiores e mais poderosos que o dos outros! Rá do Egito era superior à deusa Saushka (equivalente à deusa Ishtar mesopotâmica) dos Hititas. Joevá, o deus vingador dos judeus (e depois dos cristãos), superior ao panteon egípcio e romano, que fazia cair muralhas ao som das trombetas dos anjos. No capitalismo, as manifestações ideo-culturais ocidentais são apresentadas como "superiores" às outras, e assim por diante. Aliás, foi esse cientificismo positivista, típico da ideologia da sociedade capitalista, que justificou a assim chamada "teoria racial" dos finais do século XIX e do século XX.

Desde o ensaio de Gobineau, Essai sur l'inégalité des races humaines, de 1855, e dos escritos raciais do inglês Huston Chamberlain, com seu livro Os fundamentos do Século XIX (Die Grundlagen des Neunzehnten Jahrhunderts) de 1899, até o polêmico e racista livro de Herrstein e Murray, The Bell Curve (A Curva de Bell ), de 1994, todas as tentativas de "justificar" a desigualdade entre os seres humanos partiram de "bases" fundadas em aspectos raciais. A descoberta do DNA e a comprovação de que não há variações na composição genético-estrutural dos seres humanos, quer dizer, não existem raças humanas mas sim as manifestações fenotípicas", ou seja, meramente morfológicas, de aparência, não desestimulou os adeptos das "teorias das raças", como atesta o livro de Murray e Herrstein. Ali, obscuramente tenta-se comprovar que o isolamento de parte da espécie humana proporcionou, segundo os autores, o desenvolvimento qualitativamente diferenciado da "raça branca".

Numa entrevista à Folha de São Paulo (05/11/2007), um dos autores do livro, o cientista político Charles Murray assinala: “Pois a ciência está nos dizendo claramente nos últimos anos que, ainda que o ser humano tenha a mesma imensa maioria de genes, aquele número comparativamente pequeno que difere pode produzir diferenças muito grandes entre grupos. Quanto à probabilidade de ter certas doenças, por exemplo, como a Doença de Tay-Sachs nos judeus ou a anemia falciforme nos negros. Certamente afeta a aparência física e não há razão para pensar que não tenha havido pressões evolucionárias diferentes em relação à habilidade intelectual. Não sabemos ainda se é verdade, mas certamente não há nenhuma razão para pensar que não é verdade" (cit.). Mais adiante, Murray, justificando outro teórico racista estadunidense, o prêmio Nobel de fisiologia e medicina, James Watson - para quem os negros são inferiores aos brancos - , afirma que o erro de Watson foi declarar aos jornalistas que "quem tem que lidar com empregados negros sabe a diferença".(cit.)

A tal "prova" científica defendida pelos "três amigos" (Murray, Herrstein e Watson) é a capacidade intelectual diferenciada entre negros e brancos. Para tal, realizaram testes de quoeficiente intelectual (QI) aplicados em negros e brancos, e entre "tipos" diferenciados de brancos" (variante racial/de espécie?) como os judeus. Independente de ser essa uma abordagem meramente ideológica, ainda se quiséssemos buscar algum mérito científico nessas conclusões, perderíamos muito tempo para nada. Em primeiro lugar, é sabido que testes de QI tem por base um "tipo" de formação cultural e intelectual centrado numa universalidade cultural relativa, porque centrada nos países ocidentais ou de forte influência ocidentalizante. Dispersa e fragmentada em países periféricos e onde predominam etnias distanciadas do mundo ocidental. Em segundo lugar, e que se entrelaça com o primeiro argumento, há o fator social e de classe, porque o acesso à cultura é sempre dificultado aos segmentos proletarizados das sociedades contemporâneas. Isto é, esse tipo de teste pressupõe uma pessoa que possua formação integralmente articulada com os valores da sociabilidade capitalista em sua totalidade. Finalmente, essa avaliação ignora o fundamental da construção da sociabilidade humana, sua PRAXIS SOCIAL! É em sua praxis (o trabalho enquanto praxis humana) que o homem, como ser social, se objetiva e se diferencia de si e dos outros homens (como seres sociais ontológicos). Dai, as diferenças estão centradas em suas formas societais, nas formas de organização da vida. Os diferentes níveis de compreensão do mundo e de construção civilizatória criam as condições e os "graus" de sofisticação científica e tecnológica entre as formas de sociabilidade. Nunca o determinismo biológico!

Seguramente um indígena ou um negro não familiarizado com o universalismo burguês seria reprovado num teste como esse. Além do mais, as argumentações dos "três amigos" são recheadas de senso comum preconceituoso e isso elevado à condição de "ciência", ou melhor dizendo, de pseudo-ciência, torna-se arma perigosa para preconceitos e intolerâncias de todos os matizes. Para amenizar suas concepções racistas, e dentro de um racismo às avessas, Murray afirma que chegou à conclusão que os judeus possuem um quoeficiente intelectual acima da média humana, principalmente os asquenazes (judeus da Europa oriental). Esse tipo de afirmação plena de ideologismos, ignora processos históricos, a luta pela e contra a dominação e o "supremacismo" dos países dominantes, principalmente na fase imperialista do capitalismo. Se notarmos a última argumentação sobre os judeus asquenazes (que geraram intelectuais de grande expressão, como Freud, Einstein e Mahler, entre outros) veremos que ela está baseada numa pretensa "mutação genética", porque estes judeus miscigenaram-se com os brancos europeus!

Nada diferente do que propunha nosso mestiço racista de Saquarema Oliveira Viana, que já em seu Populações Meridionais do Brasil, de 1920, propunha a miscigenação para "aprimorar" e forjar uma "raça" brasileira e com isso, eliminar os aspectos "degenerados" presentes no negro e nos índios! Com informações de uma ciência genética incipiente, esse autor pregava uma sutil "limpeza" racial através da preponderância genética branca, isto é, a teoria eugênica do embranquecimento do brasileiro. O historiador Thomas Skidmore, em seu livro Preto no Branco, lembra da boa impressão que tal teoria causou em Theodore Roosevelt, futuro presidente estadunidense, em artigo publicado no jornal Correio da Manhã onde afirmava que o projeto era a eliminação total do negro, branqueando-o gradativamente através da miscigenação.

Ora, essa visão permeou todo o imaginário intelectual brasileiro, pelo menos até a segunda metade do século XX e vem permeando ainda hoje, mesmo que de forma mais "sofisticada" e dissimulada. Não é nenhuma novidade que nas forças armadas e até em muitos cursos de direito e de biologia, essas expressões ideológicas ainda são visitadas. intelectuais como Nina Rodrigues, que apesar de ter uma proposta de política "afirmativa" para o negro brasileiro, irmanava-se a Sylvio Romero na visão cientificista da "inferioridade" do negro. Podemos dizer que política e ideologicamente o primeiro confronto real contra a teoria do branqueamento, então visão hegemônica na sociedade brasileira, foi realizada na prática pelo PCB (Partido Comunista Brasileiro), ao lançar como candidato à presidência da república, o negro e operário marmorista, Minervino de Oliveira, através do Bloco Operário e Camponês (BOC), em 1930.

Outros intelectuais da época, também pagaram seus tributos ao velho preconceito, gerado nas senzalas das casas grandes, mesmo que tenham colocado questões relevantes sobre a problemática "racial" brasileira, como Nina Rodrigues. Gilberto Freire publica seu Casa Grande e Senzala, no mesmo ano em que Monteiro Lobato publica Caçadas de Pedrinho, em 1933. Três anos depois, Sérgio Buarque de Holanda publica seu Raízes do Brasil. Tanto em Gilberto Freyre como em Sérgio Buarque, estão presente fortes traços da visão patrimonialista e escravista, como resultado não só da sociabilidade escravista e agro-exportadora, como também de seu núcleo ideológico legitimador. Para Freyre, o escravismo brasileiro foi "brando" permitindo a "interação positiva" entre escravo e senhor. Para Buarque de Holanda, a sociabilidade da escravidão gera o brasileiro como "homem cordial"! Em 1928 é publicado Macunaíma, de Mário de Andrade, romance que também apresenta problemas,quando avaliamos sua caracterização do brasileiro como o índio aculturado e sem caráter (nacional) e o da miscigenação racial e cultural do Brasil, considerada como negativa, representada pelo imigrante italiano.

Se foi assim com esses intelectuais, se foram produtos ideológicos de uma forma de sociabilidade, não poderia ser diferente com Monteiro Lobato. Em 1918, sai a primeira edição de Urupês, onde está seu o anti-herói Jeca Tatú, matuto caipira, caboclo preguiçoso que encarna o que há de pior no país. Ai não é o negro mas o caboclo, mestiço de branco com índio, que é o alvo da crítica, pelo menos até a década de 1920, quando pesquisas científicas demonstram que a malfadada preguiça do caboclo Jeca Tatú era resultado de doenças várias, presentes no Vale do Paraíba. Imediatamente Lobato escreve um prefácio para seu livro pedindo desculpas a seu personagem, dizendo não saber o motivo real de sua indolência. Seu personagem será utilizado por campanhas sanitaristas de combate as pragas endêmicas em todo o país. Tanto em Urupês como em Caçadas de Pedrinho (1933), estão presentes as contradições de uma intelligentzia hegemônica moldada por uma sociedade que pagava seus tributos a séculos de escravidão e de autocracia oligárquica. Os estereótipos sobre a população não branca, negros, mestiços e índios grassavam em nossa sociedade. Havia também os estereótipos dos imigrantes que chegavam. O italiano comilão, briguento e agitador, o polaco bêbado, o espanhol miserável de sapatos rotos, as lituanas "vagabundas e prostitutas" e tantos outros.

Mas se temos estereótipos preconceituosos nas obras de Lobato, e certamente encontraremos muitos deles, ali também estão balanços críticos de um voraz processo de modernização "pelo alto", típico do capitalismo brasileiro. Em Urupês, e Negrinha estão as denúncias de uma sociedade de burgueses parasitários e de um Estado burocrático, de abusos contra a infância, do preconceito racial. Lobato em suas obras "adultas", desvela um Brasil que é violento contra as mulheres e contra os imigrantes. Temos em Lobato um homem de seu tempo, com as contradições de seu tempo, com as limitações de um intelectual preocupado com o nacional, mas que nunca chegou a ser intelectual nacional-popular, como diria Gramsci. A ruptura e a construção de uma intelectualidade de caráter nacional-popular, afinada com o projeto dos trabalhadores começará a ser organizada a partir de intelectuais orgânicos do movimento operário e popular, como Astrojildo Pereira, Octávio Brandão, Nelson Werneck-Sodré e Caio Prado Jr.

O que depreendemos dessas breves considerações é que obras de importantes intelectuais nos ajudaram compreender o Brasil e a construir elementos analíticos para lutar contra o preconceito, a exploração dos mais fracos e contra o obscurantismo. Tentar censurar Lobato, ou qualquer produção intelectual, estejamos de acordo ou não com ela é cair no obscurantismo. É travar a luta da emancipação humana com "argumentos" de força, os mesmos da inquisição ou do nazi-fascismo. Não se combate a ideologia do racismo com racismo "qualificado". Não se liberta aprisionando. A liberdade e a crítica devem ser nossas armas fundamentais, se quisermos construir uma sociabilidade superior a esta capitalista.
*Antonio Carlos Mazzeo é membro do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro - PCB.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Convocado o Primeiro Congresso da Unidade Classista!



A corrente sindical Unidade Classista promoverá seu primeiro congresso nacional nos dias 17 e 18 de novembro, no Rio de Janeiro. A convocação do evento reforça decisão do último pleno do Comitê Central do PCB, de concentrar esforços na maior organicidade da UC, que desde junho trabalha de forma autônoma no movimento sindical.

Antes inserida organicamente em uma das duas organizações intersindicais que atuam no país, a Unidade Classista passa a ter independência política em sua prática diária e em seu projeto de reunificação dos setores classistas e combativos que militam no movimento sindical.

Afinal de contas, desde os anos 90 o avanço do neoliberalismo fez com que muitos segmentos do movimento sindical abandonassem a luta pelo fim da exploração do homem pelo homem e passassem a lutar por compensações. Alguns setores chegaram a se render completamente ao capital, funcionando como sócios minoritários deste, através dos fundos de pensão. A CUT, apesar de sua origem combativa, é hoje o principal exemplo desta realidade.

A Unidade Classista é uma corrente sindical, não uma central sindical. A Unidade Classista pretende contribuir para reconstruir uma organização sindical nacional de cunho classista, que atue em conjunto com outros movimentos sociais organizados para enfrentar o desemprego, os baixos salários, a precarização das relações de trabalho, lutar pela retomada os direitos sociais que foram retirados da classe trabalhadora e deixar claro que, no capitalismo, não há solução para os problemas da maioria da população, para a classe trabalhadora.

Para os comunistas do PCB que atuam no movimento sindical, é urgente formar uma frente de forças políticas e sociais, anticapitalista e antiimperialista, que leve adiante a luta pela revolução socialista no Brasil. É com este espírito que se realizará o I Congresso Nacional da Unidade Classista, poucos anos após a criação da corrente. Desde 2005, os sindicalistas comunistas do PCB, e aqueles que se identificam com as orientações do Partido no movimento sindical, formalizaram a corrente sindical Unidade Classista.

Nas últimas semanas, já como resultado do esforço de organização da corrente, reativou-se o Blog da Unidade Classista (csunidadeclassista.blogspot.com.br) com atualização diária. Agora, a tarefa é construir um congresso que aponte para a organicidade da UC e estabeleça seu plano de ação. Eis o temário do evento:

- Estatuto e Carta de Princípios da Unidade Classista;

- Declaração Política do Primeiro Congresso;

- Plano de Ação;

- Eleição da Diretoria e organização da corrente nos Estados.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Lei de greve para o funcionalismo público: o ovo da serpente


Por Mauro Iasi.

O governo da presidente Dilma, acossado e sem resposta ao funcionalismo púbico e greve, a não ser a intransigência e prepotência de quem escolheu direcionar o fundo público em auxílio ao capital privado em detrimento do setor público, resolveu tirar do armário o arsenal de projetos de lei que limitam o direito de greve.

Quando realizávamos os debates na época da elaboração da atual constituição, um jurista renomado aconselhava aos sindicalistas que a melhor redação era: “a greve é um direito”. Alertava-nos que qualquer detalhamento ou normatização seria, via de regra, uma manifestação dos interesses de cercear e limitar este direito e nunca viria em favor dos trabalhadores. Parece que tal conselho segue sábio e útil.

O que se alega é a necessidade de “disciplinar”, “normatizar” a utilização do recurso da greve em nome de defender os interesses da “sociedade”, daí os dispositivos indicados de restringir tal utilização em setores estratégicos, garantir o funcionamento mínimo de serviços essenciais, limitação do exercício do direito em “épocas de eventos internacionais”, a garantia de medidas de punição, como corte de ponto e substituição de servidores.

Em primeiro lugar é preciso que se diga que tais medidas, por trás do manto enganoso e ideológico da suposta “defesa da sociedade”, visam defender o governo e por trás dele os interesses de classe que representa da reação dos funcionários públicos à desastrosa política implementada de reforma do Estado e de desmonte de serviços públicos. A onda de greves que vivenciamos tem suas raízes não na intolerância de funcionários dispostos a abusar do direito de greve para garantir mesquinhos interesses corporativos, pelo contrário, é a reação esperada de um setor que em sua maioria (guardadas honradas exceções) deu um voto de confiança ao governo e foi ludibriado.

A raiz das greves que presenciamos pode ser encontrada no adiamento injustificável do estabelecimento de uma data base para o funcionalismo, no não cumprimento da promessa de reajustes anuais que corrigiriam a inflação e do fracasso da mesa permanente de negociação que deveria ser um canal de negociação permanente do governo com os diferentes setores do funcionalismo. A Secretaria de Relações do Trabalho vinculada ao Ministério do Planejamento e Gestão especializou-se nas manobras protelatórias, engodos e escaramuças cuja única finalidade foi retardar o atendimento das demandas apresentadas, como, por exemplo, a reestruturação das carreiras, o enfretamento de distorções salariais e a mera implantação de diretos adquiridos.

O que nos espanta não é a força e o vigor da greve que vimos em 2012, mas porque ela não ocorreu antes. De um lado, no caso de muitos setores do funcionalismo, vimos a boa vontade e a aceitação da tese governista que se estaria arrumando a casa através de uma macro política econômica combinada com uma reforma do Estado que, garantindo um suposto e mítico crescimento econômico sustentável, levaria na sequência a uma valorização do serviço público. Essa “boa vontade” foi operada com o apassivamento de representações sindicais através de métodos diretos e indiretos de cooptação que foram desde a participação direta no governo, passando pelo atendimento de demandas burocráticas no caso das centrais sindicais, até a liberação de recursos no balcão de projetos e verbas das diferentes áreas do governo.

Não devemos menosprezar a estratégia do governo no sentido de criar uma diferenciação profunda no governo entre carreiras que considerava de estado e de ações e serviços que o governo implantou formas severas de terceirização e precarização, dividindo o setor púbico.

No entanto, a eficácia de tais medidas encontrou seu limite no agudizar da crise do capital e do desmoronar do sonho de um capitalismo regulado e sustentável. A crise cobra do governo a liberação do fundo público para salvar o capital e os funcionários públicos se vem diante de uma resposta que suas demandas serão novamente adiadas. Quando a economia cresce os funcionários tem que dar a sua cota de sacrifício para manter a política de superávits primários e estabilizar a economia para que ela continue crescendo, quando entra em crise tem que ser sacrificados para que a economia privada não caia tanto.

Com medo de estabelecer uma data base e os ajustes anuais o governo operou com o calendário orçamentário, o que lhe permitiu negociar em separado com os diferentes setores do funcionalismo, dividindo para reinar como os velhos romanos, e chantageando com as amarras orçamentárias e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Este ano o tiro saiu pela culatra e o calendário orçamentário virou a data base unificada do funcionalismo. Puxados pela greve nacional dos professores universitários, os demais setores, inclusive organizados pelo sindicalismo governista, não tiveram outra forma de pressão que não a greve para enfrentar a intransigência do governo.

Diante do movimento legítimo dos funcionários o governo, ao contrário do que seria sensato, ou sejam, negociar, resolveu manter a arrogância, não recebeu as entidades, de fato não negociou, o que foi decisivo para que algumas greves se mantivessem por tanto tempo. Os professores, por exemplo, entraram em greve em 17 de maio e só foram recebidos no dia 13 de julho para depois de duas rodadas de uma farsa de negociação o governo encerrar a farsa assinando um suposto acordo com uma entidade que com dificuldade dizia representar cinco das ciquenta e nove IFES em greve.

Como resolver este problema? Negociando com entidades realmente representativas, cedendo no que for possível, reconhecendo que a dimensão do movimento é proporcional à protelação e adiamento injustificável no atendimento das demandas que se acumularam? Não, o governo resolve enfrentar a questão da forma como os governos autoritários agem: cerceando o direito de greve!

A raiz de todo autoritarismo pode ser encontrada no medo que os governantes que representam interesses de uma minoria tem de seu povo. A verdadeira universalidade por traz destas medidas temerárias que se anunciam não pode ser encontrada no recurso de evocar os abstratos “interesses da maioria da sociedade”, pelo contrário. Trata-se de uma universalidade particularista tornada possível diante de uma suposta ameaça que vem daqueles que lutam e resistem na defesa de seus direitos. Como nos ensinou Leandro Konder ao tratar da ideologia de direita:
O próprio sistema em cuja defesa as classes dominantes se acumpliciam – um sistema que gravita em torno da competição pelo lucro privado – impede que as forças sociais em que consiste a direita sejam profundamente solidárias: elas só se unem para os objetivos limitados da luta contra o inimigo comum (Leandro Konder, Introdução ao Fascismo, 2009, São Paulo, Expressão Popular, pg. 28).

No caso presente o inimigo comum somos nós que lutamos, através dos meios democráticos conquistados – como o direito de greve – na defesa das demandas mais elementares como salários, condições de trabalho e carreira. Não é a defesa da sociedade, mas a garantia para que o governo a serviço do capital siga seu trabalho e que o capital tenha as condições de continuar acumulando, condições necessárias para restringir direitos, flexibilizar conquistas e precarizar a vida.

É preciso restringir o direito de greve para que o Brasil receba os eventos internacionais e seu mar de recursos para saciar a fome de lucro das grandes empreiteiras. Se o direito à moradia estiver no caminho, façamos como se tem feito nas remoções no Rio de Janeiro: removamos este obstáculo com retroescavadeiras acompanhadas por batalhões da polícia militar. Se o direito de propriedade estiver ameaçado, a justiça garante a remoção de milhares de famílias, como no Pinheiriho em São José dos Campos. É preciso remover obstáculos à ordem burguesa e seu afã de lucro – se no caminho estiverem alguns direitos, devem ser removidos.

Para defender a “sociedade”, ataquemos a sociedade; para garantir a “democracia”, vamos restringir a democracia. Não, estamos diante de algo muito mais simples de ser entendido: a lógica que beneficie uma parte bem pequena da sociedade, a burguesia e seus negócios, se choca com os interesses diretos daqueles que vivem da venda de sua força de trabalho. Para o bem da ordem os instrumentos da burguesia precisam ser glorificados e mantidos, como seu governo, enquanto os instrumentos dos trabalhadores precisam ser restringidos, como o direito de greve.

A formalidade democrática, cedo ou tarde, abre um paradoxo: ou os trabalhadores no exercício de direitos formais cobram a substancialidade de um novo patamar de direitos que digam respeito às suas reais demandas, ou o capital incomodado com tal possibilidade começa a cercear mesmo os direitos formais.

Mas os poderosos se enganam. Existe um elemento no direito que vai além da forma legal que por ventura o reveste. Houve um tempo em que a greve, assim como a organização sindical, era ilegal no Brasil – e nós fizemos greves e conquistamos o direito de ter nossas organizações sindicais. Eles que tornem a greve ilegal, isso não nos intimidará e nós faremos greves. Então que cassem nossas organizações e nós as reconstruiremos, contra a ordem e por cima das amarras das leis que tentarão em vão revestir nossos direitos.
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Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, presidente da ADUFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência (Boitempo, 2002). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Orçamento 2013: privilégio para JUROS, migalhas para servidores públicos e salário mínimo

Notícias diárias comentadas sobre a dívida – 31/8/2012

DIA 30/08, o governo federal divulgou a proposta orçamentária para 2013, na qual detalha a previsão de gastos para o próximo ano.

Conforme apresentação da Ministra do Planejamento Miriam Belchior (páginas 20 a 22), o valor previsto para atender às reivindicações dos servidores – apresentadas durante as greves realizadas por cerca de 40 categorias nos últimos meses – é de R$ 10,289 bilhões. Tal valor representa apenas 5,5% do valor previsto para a folha de pagamento total deste ano (R$ 187,6 bilhões).

Desta forma, verifica-se que a proposta do governo aos servidores mal repõe a inflação deste ano, e não recupera as perdas históricas que levaram as categorias ao movimento grevista.

Por outro lado, o mesmo documento apresenta uma estimativa de gasto de R$ 900 bilhões com juros e amortizações da dívida pública em 2013 (página 9 da apresentação da Ministra), podendo tal valor ainda aumentar no decorrer do ano.

Cabe ressaltar que o valor do salário mínimo fixado para 2013 (R$ 670,95) significa um aumento real de apenas 2,7% em relação ao valor atual. Prosseguindo nesse ritmo, serão necessários cerca de 50 anos para se atingir o salário mínimo calculado pelo DIEESE (de R$ 2.383,28), com base no disposto na Constituição Federal, art. 7º. O eterno argumento oficial contra um aumento maior do salário mínimo é que a Previdência Social não teria recursos suficientes para pagar as aposentadorias. Porém, tal argumento é falacioso e não se sustenta em base aos dados da arrecadação federal. A Previdência é um dos tripés da Seguridade Social, juntamente com a Saúde e Assistência Social, e tem sido altamente superavitária. Em 2011 o superávit da Seguridade Social superou R$ 77 bilhões, em 2010 R$ 56 bilhões, e em 2009 R$ 32 bilhões, conforme dados da ANFIP. Deveríamos estar discutindo a melhoria do sistema de Seguridade Social, mas isso não ocorre devido à Desvinculação das Receitas desse setor para o cumprimento das metas de superávit primário, ou seja, a reserva de recursos para o pagamento da dívida pública.

Importante também comentar as páginas 5 e 7 da apresentação da Ministra, nas quais o governo alega que a dívida pública e as taxas de juros estariam em forte queda. Porém, tal dado se refere à distorcida parcela denominada “Dívida Líquida do Setor Público”. O Brasil é o único país que calcula a dívida “líquida”, algo que não tem sentido lógico, pois desconta da dívida bruta diversos valores que em tese configurariam créditos, porém, possuem pesos relativos distintos. Enquanto o custo da dívida pública ficou em mais de 12% ano passado, as reservas internacionais (que são o principal crédito deduzido para se chegar ao conceito de dívida “líquida”) não renderam quase nada ao país.

Neste ano, enquanto o governo alardeia a comemoração sobre a redução da Taxa Selic para 7,5% ao ano, o custo médio efetivo da dívida pública federal está em nada menos que 11,3% ao ano (Tabela do Tesouro Nacional – Quadro 4.1), pois justamente quando a Selic passou a cair o Tesouro passou a vender os títulos lastreados em taxas fixas bem superiores à Selic, e atualmente apenas 24,57% da dívida mobiliária de responsabilidade do Tesouro Nacional está atrelada à Selic.

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