Trabalhadores realizam jornada média de 53 horas semanais e
sofrem com a precarização das condições de trabalho
10/05/2012
Michelle Amaral,
da Reportagem
Em supermercados e shoppings, trabalhadores trabalham até mais do que 60 horas - Foto: Wilson Dias/ ABr |
Em datas comemorativas, como o
Dia das Mães, a sobrecarga de trabalho dos comerciários aumenta. Apesar de
haver uma elevação nas contratações temporárias para o comércio, o quadro de
funcionários formado pelas lojas ainda não é suficiente para suprir a demanda
de procura dos clientes. “O excesso de jornada duplica nesses dias. Já demos
autuações Brasil afora em que se constatou mais do que 70 horas de trabalho
semanal”, revela o presidente da Confederação Nacional de Trabalhadores do
Comércio (CNTC), Levi Fernandes Pinto.
Na ânsia por garantir a clientela
e obter mais lucros, as empresas repassam aos funcionários o ônus da extensão
do período de funcionamento. De acordo com pesquisa do Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), os
comerciários trabalham em média 53 horas semanais, enquanto a jornada oficial
de trabalho é de 44 horas.
Pereira, vendedor de uma loja de
materiais de construção e decoração, que trabalha há 23 anos como comerciário,
lembra que na época em que iniciou na profissão as condições de trabalho eram
melhores, porque não se trabalhava aos domingos nem aos feriados, e nos sábados
as lojas funcionavam até as 13 horas apenas. “Com o passar do tempo, a demanda
acabou obrigando as lojas a atenderem em um horário diferenciado. Antes fechava
cedo, agora às 22h. No domingo não abria, agora abre. E a carga de trabalho foi
só aumentando”, relata.
Ainda, segundo o presidente da
CNTC, Levi Fernandes Pinto, em alguns segmentos do comércio trabalhadores
acabam excedendo 60 horas semanais de trabalho. “Os comerciários de
supermercados e os de shoppings são os mais penalizados. Estes, com certeza,
chegam a 60 ou até um pouco mais do que 60 horas, porque é muito comum
trabalharem de segunda a domingo”, afirma.
Jairo, que trabalhou em uma loja
de calçados de um shopping da zona sul de São Paulo, conta que a extensão do
horário de trabalho além da jornada contratual é comum. “Nos dias de semana o
horário de entrada era às 16h, mas a gente tinha que entrar 15h30 para arrumar
o estoque. Quando a loja não tinha batido a cota, a gente trabalhava além do
horário. Se ficasse uma, duas horas a mais e não vendesse, não ganhava nada”,
relata.
Banco de horas
Os trabalhadores das lojas de
calçados, que são remunerados através de comissões sobre as vendas, não são os
únicos que não recebem pelas horas trabalhadas a mais. Segundo Josimar Andrade
de Assis, diretor de Relações Sindicais do Sindicato dos Comerciários de São
Paulo, a maioria das empresas do comércio trabalham com a política de banco de
horas, ou seja, ao invés de pagar um valor a mais pelo período extra
trabalhado, a empresa acumula essas horas para, em data posterior, o
funcionário tirar folga. No entanto, Assis destaca que nem sempre os
trabalhadores conseguem tirar as folgas devidas. “As empresas acabam não
respeitando o banco de horas, às vezes essas horas somem ou são descontadas”,
denuncia.
Além disso, conforme o diretor
sindical, a escala de folgas é determinada pela empresa segundo suas
necessidades, e não as do trabalhador, contrariando o que estabelecem as
convenções coletivas da categoria. “A vantagem tem que ser sempre do
funcionário, essa é a primeira condição [para utilização da política de banco
de horas]”, explica.
O banco de horas também não pode
exceder duas horas além da jornada de trabalho de oito horas diárias. Assim
como domingos e feriados não podem ser computados, pois têm regras específicas
que definem o pagamento de horas extras. A empresa deve, ainda, disponibilizar
ao funcionário uma planilha com os créditos que possui, para que ele acompanhe
as horas a mais e possa se programar para tirar folga. “Se a empresa quiser
usar essa política do banco de horas tem que seguir à risca essas indicações.
Mas temos dados que indicam que a maioria das empresas não cumpre na íntegra”,
afirma Assis.
Para o secretário-geral do
Sindicato dos Comerciários de Osasco e Região (Secor), Luciano Pereira Leite, a
política de banco de horas é prejudicial ao trabalhador, porque flexibiliza a
jornada de trabalho. Além disso, Leite afirma que o banco de horas atende
apenas ao interesse das empresas, que não querem pagar pelas horas extras e
seus reflexos sobre os demais direitos dos trabalhadores.“Para nós, o ideal
seria não ter o banco de horas e que o trabalhador também não executasse horas
extras, para que se possa gerar mais empregos”, defende o sindicalista, que
lembra que tal pensamento faz parte da campanha das centrais sindicais pela
redução da jornada de trabalho para a geração de mais postos de trabalho.
Além da utilização do banco de
horas, o diretor do Sindicato dos Comerciários de São Paulo diz, ainda, que tem
conhecimento de empresas que, após o funcionário cumprir a jornada de oito
horas, o obriga a registrar o horário de saída contratual no cartão de ponto e
continuar trabalhando. “Dá baixa no cartão de ponto, mas permanece no local,
continua vendendo, continua atendendo clientes. E essas horas de trabalho não
são computadas como hora extra, nem como banco de horas”, descreve.
Segundo Assis, quando o sindicato
toma conhecimento de situações como esta, faz denúncia junto ao Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE). O presidente da CNTC, no entanto, reclama da
dificuldade de levar a fiscalização do Ministério do Trabalho a essas empresas
para proceder com a autuação. “Infelizmente, o Ministério do Trabalho está
sucateado, principalmente nessa área de disposição dos auditores fiscais do
trabalho. Chegamos ao absurdo de, em uma capital, ter cinco auditores fiscais
para atender 300, 400 mil comerciários”, protesta.
De acordo com o Sindicato
Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), atuam hoje no país em
torno de 3 mil auditores fiscais do trabalho, conforme a última atualização da
coordenação-geral de recursos humanos do MTE, divulgada no início de março.
Fernandes Pinto, contudo, lembra os auditores têm que atender não somente os
comerciários, mas todas as outras categorias, o que torna o efetivo
insuficiente.
Leite afirma que os comerciários
estão “jogados à própria sorte” diante das irregularidades impostas pelas
empresas e pela falta de atuação dos órgãos públicos que deveriam fiscalizar as
condições de trabalho. “Não tem nenhum tipo de fiscalização e o sindicato não
tem o poder de punir”, lamenta.
Funcionários trabalham sábados, domingos e feriados até as 22h - Foto: Marcelo Cassal/Abr |
Precarização
Mas não é somente com a extensa
jornada de trabalho que os comerciários sofrem. De acordo com levantamento do
Dieese, “no comércio há um grande descompasso entre os ganhos verificados no
setor – crescimento este acima do PIB – e o repasse para a melhoria das
condições de trabalho da categoria”. Os trabalhadores do comércio padecem com
baixa remuneração, instabilidade profissional e falta de registro profissional.
Outra dificuldade apontada pelos
comerciários é o trabalho aos domingos. “Você pode perguntar para o shopping
inteiro, ninguém gosta de trabalhar no domingo, porque é o único dia de folga
que a gente tem para ficar com a família”, afirma o comerciário Jairo. O
vendedor de lojas de calçados ainda reclama da falta de pessoal nas lojas.
“Quando eles dão folga para um vendedor, tem que sacrificar o outro, fazendo
com que ele dobre o horário de trabalho”, afirma.
O presidente da CNTC conta que,
em diversas situações, flagrou a sobrecarga de trabalho de comerciários
justamente pela falta de pessoal. “Chegamos ao absurdo, inclusive, de constatar
caixas de supermercado em Belo Horizonte que tem que usar fraldão, porque não
podem nem sair para ir ao banheiro”, relata Fernandes Pinto.
Já em Osasco (SP), Leite conta
que trabalhadores do hipermercado Carrefour, para poderem ir ao banheiro, têm
que entrar em uma fila de espera. “O Carrefour faz o controle híbrido dos
trabalhadores. As pausas para ir ao toalete têm que ser agendadas”, afirma.
Segundo o secretário-geral do Secor, tal conduta impõe aos trabalhadores o
controle híbrido: como as idas ao banheiro são limitadas, o trabalhador deixa
de beber água. “Isso acaba gerando problemas de bexiga, de rim, de útero, etc.
É uma situação que traz vários problemas de saúde para o trabalhador,
principalmente para as mulheres”, ressalta.
Falta regulamentação
Segundo Fernandes Pinto, os
problemas enfrentados pelos comerciários, principalmente com a extensão da
jornada de trabalho, poderiam ser solucionados com a regulamentação da
profissão. “Nós entendemos que com a regulamentação isso vai mudar, porque o
comércio passará a ter que cumprir a jornada de 44 horas semanais, que só
poderá ser mudada mediante convenção coletiva”, afirma.
Apesar de ser uma das profissões
mais antigas, o trabalho no comércio ainda não possui uma legislação
específica. Desde 2007 tramita no Congresso o Projeto de Lei do Senado 115, de
autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), que visa legalizar a profissão de
comerciário.
“Aqui no Congresso, é difícil aprovar um projeto quando há
divergência entre trabalhador e empregador, mas nesse projeto houve um grande entendimento
entre os empregados e os empregadores”, afirma o senador, que acredita que o
projeto seja aprovado ainda no primeiro semestre deste ano.
Para o comerciário Pereira,
entretanto, a regulamentação da profissão não trará melhorias para o trabalhador.
“Vai ser mais um reconhecimento da profissão de comerciário. Mas benefício para
o comerciário, acho que não vai ter muito não, porque o sindicato patronal é
muito forte”, analisa. Na opinião de Pereira o poder do sindicato patronal é
maior do que o dos comerciários, por isso demorou-se tanto para conseguir o
acordo para regulamentar a profissão. O comerciário acredita que, mesmo com a
aprovação do projeto, o poder das empresas vai continuar sendo forte. “A
maioria das empresas é multinacional hoje, o poder delas é muito grande, até
mesmo dentro da Câmara e do Senado”, diz.
O presidente da CNTC, por sua
vez, pondera que o fato de a profissão ser regulamentada poderá não impedir que
empresários continuem impondo as condições precárias de trabalho a seus funcionários,
“mas vai servir como um instrumento a mais para o trabalhador poder reivindicar
[seus direitos] judicialmente”, afirma.
Matéria originalmente publicada em: http://www.brasildefato.com.br/node/9537
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