O cineasta Vladimir Seixas
produziu o documentário “Atrás da Porta” mais ou menos como vivem as pessoas
que mostra em seu filme: sem qualquer tipo de apoio. Com uma câmera emprestada
e um amigo fotógrafo, finalizou o belíssimo longa em 2010, após um ano acompanhando
o sofrimento das famílias despejadas pelo poder público, todas do centro da
cidade e a maioria na zona portuária; local em que se concentra o projeto de
“revitalização” e do “Porto Maravilha”.
Na última semana, Estados integrantes do Conselho de
Direitos Humanos da ONU recomendaram ao Brasil que não permita que a preparação
para os megaeventos de 2014 e 2016 resultem em violações do direito à
moradia ao provocarem remoções forçadas. Em seu blog, a relatora especial
da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada Raquel
Rolnik lembra que há mais de um ano mandou uma carta ao governo brasileiro sobre as
denúncias que estava recebendo de pessoas e comunidades ameaçadas de remoção
por conta de obras da Copa e das Olimpíadas e que até agora nada foi feito.
Em entrevista, Vladimir Seixas conta o que viu e ouviu na
convivência com famílias que vivem esta realidade e dá sua avaliação sobre o
cenário: ”A impressão que dá é que quando se fala em Copa e Olimpíadas
tudo é permitido. Isso em nome de um legado para um bem maior. Mas olhem o caso
do Jogos do Pan no Rio de Janeiro. O único legado foi uma rede de corrupção entre
o poder público e empreiteiras que vem sendo recentemente noticiado. Os
estádios do Pan não servirão para Copa. E os da Copa não servirão para as
Olimpíadas”
Leia a entrevista e veja o filme na íntegra, no pé da
matéria:
O que te levou a escolher este tema?
Ainda na Escola de Cinema (Darcy Ribeiro) realizei um curta
chamado Hiato, em que mostrava uma manifestação em um grande Shopping de classe
média alta aqui do Rio de Janeiro. Dentre os manifestantes estavam militantes
do MST, do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, estudantes e moradores de
favela. Como o vídeo circulou e teve uma boa recepção por parte dos movimentos
sociais, me perguntaram se gostaria de realizar gravações das próximas ações de
ocupação do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto na cidade.
Como foi o trabalho de
pesquisa? Você ficou com os personagens por quanto tempo?
As gravações foram intercaladas e duraram aproximadamente um
ano; se totalizou 48 horas de material bruto. Muitas dessas gravações tratavam
do sofrimento de famílias despejadas pelo poder público. Todas no centro da
cidade e a maioria na zona portuária; local em que se concentra o projeto dito
de “revitalização” e chamado de “Porto Maravilha”. A partir das filmagens fui
decupando todo o material e encontrando um corte menor. Foi quando senti falta
de uma interpretação crítica mais direta daqueles eventos que percebia nos
próprios moradores. Então fui a quatro ocupações e conversei com alguns
moradores e extraí um discurso mais conjuntural dessas mudanças urbanísticas em
torno dos megaeventos. Posteriormente fui procurar os moradores que mais me
aproximei nas filmagens, que são os da antiga ocupação Guerreiros do 510. E
finalmente os defensores públicos que trabalharam naquela ocasião.
O que mais te chocou durante a
produção do filme?
O que mais chocou foi a forma da execução dos despejos. Não
houve qualquer proposta de alternativa de moradia para aqueles moradores. Foi
utilizado caminhão de lixo para tirar os bens das pessoas e um aparato bélico
por parte dos policias desproporcionalmente pensado. Quando se leva centenas de
policiais com fuzis para despejar famílias extremamente pobres automaticamente
se criminaliza esta condição material. E o indigno é hoje (dia 30 de maio de
2012) a maioria desses prédios, alguns estatais, estarem com paredes de
alvenaria em sua entrada, completamente vazios, esperando uma valorização maior
para venda.
Você acompanhou a questão do
Porto Maravilha. De que forma você acha que a Copa e as Olimpíadas estão
dificultando ainda mais a vida destas pessoas?
A Raquel Rolnik publicou em seu blog um levantamento que
constata em que medida a Copa do Mundo e as Olimpíadas trouxeram prejuízo
social pelos países que passaram. Esse levantamento realizado pela ONU destaca
as milhares pessoas que perderam suas moradias e foram empurradas para regiões
afastadas do centro da cidade. Para se ter idéia, em Pequim foram despejadas
oficialmente 1 milhão e meio de pessoas. O quadro de todos esse países se
repete aqui: expulsão depessoas das camadas mais pobres das regiões que se quer
valorizar e elevado índice de especulação imobiliária. É triste ver uma
celebração que aparentemente é tão bonita e teoricamente popular carregue essa
base perversa para acontecer em todos os lugares que passa. O que os movimentos
sociais estão tentando fazer é debater e seguir a pauta de luta pela moradia
popular. Se quer que para cada 3 prédios empresariais e residenciais de classe média
e alta da zona portuária, um seja destinado a moradia de famílias de 0 a 3
salários mínimos.
Em determinado momento, você
entrevista um defensor público que aponta vários erros graves na forma com que
são feitas as desocupações, como a falta de notificação prévia, falta de
justificativas, falta de acesso à defesa, violência etc. Você pôde constatar
isso?
Sem dúvida. E muitos despejos são bem piores do que os que
consegui mostrar no filme. Os defensores públicos do núcleo de Terras e
Habitação lidam cotidianamente com isso. Muitas demolições para construir vias
expressas. Imagina acordar uma bela manhã e ter sua casa grafitada com uma
sigla; somente depois você vai descobrir que a casa onde vive há mais de 40
anos vai ser demolida. Muitas demolições estão tendo essa forma de notificação.
A impressão que dá é que quando se fala em Copa e Olimpíadas tudo é permitido. Isso
em nome de um legado para um bem maior. Mas olhem o caso do Jogos do Pan no Rio
de Janeiro. O único legado foi uma rede de corrupção entre o poder público e
empreiteiras que vem sendo recentemente noticiado. Os estádios do Pan não
servirão para Copa. E os da Copa não servirão para as Olimpíadas. Estamos
falando de um volume gigantesco de consumo de recursos que não visam a melhora
da vida humana nem tratam ela como parâmetro. Por quê o Brasil é apontado como
um país que não está fragilizado com a última grande crise mundial que se
apresentou em 2008 e se intensificou nos últimos anos? Os Estados Unidos com
suas bolhas de crédito, A União Europeia quebrando, a China desacelerando
bruscamente, as revoluções e ocupações de 2011, e o Brasil inabalável. De onde
vem essa força? Vem grande parte da agenda construída em relação ao consumo de
recursos e capitais e pela nova rodada de crescimento que isso vai
proporcionar. O que pode parecer positivo num primeiro momento deve entendido
como crescimento de lucros e de capitais em detrimento da humanidade. Assim
como foram as duas grandes guerras do século passado. Deu no que deu. Consumo
da abundância, implícita da forma como o homem produz e crescimento da chamada
força produtiva e fabricação e alargamento da miséria humana. Estamos nesse
curso, mas não tenhamos dúvida que não será destinado ao povo o melhor que isso
pode trazer e sim ao próprio capital em virtude de sua ampliação.
Na frente da câmera o trato era
diferente? Ou houve violência também?
Houve sim violência e vemos no Atrás da porta. Mas aquela
agressão física do desalojo se estende para a violência de ser expulso das
regiões centrais da cidade que claramente trazem mais oportunidade de trabalho
e melhores condições para criar uma família.
Você continuou o contato com
estas comunidades ou algumas pessoas?
As pessoas que consegui contatar fui levar o DVD do filme,
mas por exemplo o grupo da ocupação Guerreiros do 510 se perdeu enquanto
coletivo. A ocupação Zumbi dos Palmares e Flor do asfalto foi desalojada depois
da finalização do filme. O quadro é muito difícil.
Como você produziu o filme?
Teve apoio? Ou foi totalmente independente?
Quando fiz as primeiras gravações não tinha nem câmera
própria. Usei de um grande amigo. Me aproximei de um fotógrafo que morava em
uma ocupação chamado Chapolim e tocamos com nossos próprios recursos. E isso de
uma certa maneira está presente em todo o filme.
Pretende continuar trabalhando
este tema?
Acho que pretendo continuar a trabalhar da mesma forma. Até
mesmo sobre a questão do megaeventos há uma cobertura jornalística por parte da
imprensa hegemônica. Mas vemos ali uma ou outra denúncia pontual com matérias
que tendem ao consenso das melhorias maiores. Nos vídeos que experimentei fazer
há presença de uma parcialidade pretendida. Há uma tentativa de encontrar
imagens, mesmo que narrativas, que tragam uma violência. Que se comece a pensar
depois dela. Foi o que tentei e quero continuar tentando.
No filme parece que, ao menos,
os moradores estão mais conscientes dos direitos e brigam mais por eles. É isso
mesmo? Você chegou a acompanhar alguma conquista?
A consciência dos direitos e a luta há. Mas a correlação de
forças é desigual. O quadro local não é muito animador não. Mas o horizonte
colocado pela conjuntura internacional dos últimos anos está aí e é amplo.
Veremos quais serão os novos programas da humanidade. Alguns pensadores têm
colocado que estamos num estágio decisivo, em uma transição profunda. E que a
ligação de hegemonia mundial entre capitalismo e democracia está no seio dessa
mudança. Cabe ao homem construir um estágio melhor da história de sua passagem
nesse planeta. Mas no caso dos moradores pobres do centro do Rio de Janeiro
tivemos grandes perdas. Mas algumas ocupações resistem e se fortalecem tanto
politicamente quanto juridicamente. Como é o caso da Manuel Congo, Quilombo das
Guerreiras e Chiquinha Gonzaga.
Quem está do lado destas
pessoas? Há apoio de instituições/orgãos?
Absolutamente. Não há qualquer instituição ou órgão que não
seja a defensoria pública ao lado dessas pessoas. Mas vemos no filme que do
outro lado, para expulsar, no caso cerca de 80 pessoas de um prédio federal se
destacou um quadro efetivo absurdo composto de Batalhão de Choque, Polícia
Federal, Polícia Militar do Estado do Rio de janeiro, Comlurb, Secretaria de
ordem pública, policiais civis à paisana P2, Guarda Municipal, até o Comandante
do Batalhão daquela região. Enfim.
O blog Copa Pública é uma experiência
de jornalismo cidadão que mostra como a população brasileira tem sido afetada
pelos preparativos para a Copa de 2014 – e como está se organizando para não
ficar de fora.
Sinopse:
A experiência de arrombar prédios e criar novos espaços de moradia das famílias sem-teto do Rio de Janeiro em um documentário que mostra uma série de despejos forçados pelo Estado.
VLADIMR SEIXAS
Direção, Montagem, Fotografia e Som Direto, Roteiro, Finalização e Produção.
CHAPOLIM
Assistência de direção, Fotografia e Som Direto.
Longa-metragem
92 min | Cor | NTSC | HD | 2010
vladimirps@gmail.com
www.gumefilmes.blogspot.com
www.filmeatrasdaporta.blogspot.com
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