Na prática, o governo está entregando estas áreas para empresas transnacionais estrangeiras que nelas deverão construir “cidades modelo”
13/09/2012
Raquel Rolnik
Na semana passada, o governo de Honduras assinou
um acordo com uma empresa dos EUA para iniciar a construção das chamadas
Regiões Especiais de Desenvolvimento. Na prática, o governo está entregando
estas áreas para empresas transnacionais estrangeiras que nelas deverão
construir “cidades modelo”, ou “charter cities”.
Trata-se de áreas “recortadas” do espaço
institucional e político do país, convertidas em uma espécie de território
autônomo — com economia, leis e governo próprios — totalmente implementado e
gerido por corporações privadas. Idealizado por um pesquisador norte-americano,
este modelo de cidade foi recusado por muitos países, inclusive pelo Brasil —
Ufa! — antes de ser aceito em Honduras, através de uma mudança da Constituição
aprovada em janeiro deste ano.
Organizações da sociedade civil, incluindo grupos
indígenas cujos territórios podem estar inseridos nas zonas “liberadas”, vêm
criticando o projeto, que consideram catastrófico, e já acionaram a Suprema
Corte de Honduras, alegando inconstitucionalidade.
Versão extrema de um liberalismo anti-Estado e
pró-mercado, o fato é que este modelo, na verdade, exacerba uma lógica
privatista de organização da cidade, já presente em várias partes do Brasil e
do mundo, como é o caso dos condomínios fechados, das leis de exceção vigentes
sobre áreas onde se realizam megaeventos esportivos, dos modelos de concessões
urbanísticas, entre outros exemplos possíveis.
A ilusão de uma sociedade sem Estado, teoricamente livre da burocracia, da corrupção e do abuso de poder, é na verdade a ditadura do consumo e do poder absoluto do lucro sobre a vida dos cidadãos. Imagina se essa moda pega…
Raquel é urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada.
(Texto publicado originalmente no Yahoo! Colunistas)
Publicado em: http://www.brasildefato.com.br/node/10589
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