Por Michael Löwy.
Eric
Hobsbawm, que tive a chance de conhecer pessoalmente, é
não só um dos maiores historiadores do século 20, mas também um
pensador que nunca renunciou à sua adesão ao marxismo e aos ideais da Revolução
de Outubro. Sua obra mais conhecida é a tetralogia que vai da Era das
Revoluções à Era dos Extremos. Mas eu gostaria
de ressaltar um outro aspecto de sua obra, talvez menos conhecido,
mas que constitui, a meu ver, sua contribuição mais original e inovadora à uma
historiografia subversiva.
Se
tratam de três obras dos anos 1959-69 dedicadas às chamadas formas arcaicas de
revolta: Rebeldes Primitivos (1959), Os Bandidos (1969) e Capitão
Swing (1969). Sua aproximação se distingue de maneira evidente da vulgata
“progressista”, por seu interesse, sua simpatia, inclusive sua fascinação –
estes são seus próprios termos – com os movimentos “primitivos” de resistência
e protesto antimoderno (anticapitalista) dos camponeses.
Esta
atitude – por sua vez metodológica, ética e política – implica um
distanciamento a respeito de certa historiografia, que tende – a propósito do
que ele denuncia como um viés racionalista e “modernista” – a descuidar estes
movimentos, considerando-os como sobrevivências estranhas ou fenômenos
marginais. No entanto, insiste Hobsbawm, estas populações “primitivas”,
particularmente rurais, são todavia agora – isto é, nos anos 50 – a grande
maioria da nação na maior parte dos países do mundo. Ademais, e essa é a
argumentação decisiva para o historiador, “sua aquisição de consciência
política é a que há feito de nosso século o mais revolucionário da história”.
Em outros termos, este tipo de movimento, longe de ser marginal, é a fonte ou a
raiz das grandes transformações revolucionárias do século XX, nas quais os camponeses
e as massas pobres do campo jogaram um papel decisivo: a revolução mexicana de
1911-19, a revolução russa de 1917, a revolução espanhola de 1936, a revolução
chinesa e a revolução cubana. A ideia é simplesmente sugerida por
Hobsbawm, que não se ocupa diretamente de nenhum destes acontecimentos, senão
que constitui um espécie de pano de fundo em suas investigações sobre os
“primitivos”.
Para
compreender estas revoltas, Hobsbawm observa que é necessário partir da
comprovação de que a modernização, a irrupção do capitalismo nas sociedades
camponesas tradicionais, a introdução do liberalismo econômico e das relações
sociais modernas, significa para aquelas uma verdadeira catástrofe, um
autêntico cataclisma social. As revoltas camponesas de massa contra esta nova
ordem, vivida como insuportavelmente injusta, são frequentemente inspiradas por
uma esperança revolucionaria milenarista, como no caso do anarquismo rural na
Andaluzia e das Ligas Camponesas da Sicília, – de inspiração
socialista religiosa – os dois surgidos em fins do século XIX
com prolongações no XX. O tema é de grande atualidade no Brasil de hoje…
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