Segundo especialistas, para enfrentar o sedentarismo e consumismo infantil os pais devem dialogar mais e brincar com os filhos (Foto: Letícia Duarte/Flickr) |
São Paulo – Em plena semana da Criança – quando o
comércio deve registrar nova alta nas vendas de brinquedos e outros produtos
infantis – especialistas do Instituto Alana e da Aliança pela Infância
reuniram-se ontem (9) em São Paulo para discutir os prejuízos trazidos pela
publicidade dirigida às crianças e a importância do resgate do brincar como
estratégia de enfrentamento.
“Os pais conversam menos com os filhos do que a
publicidade. Estudos mostram que a criança brasileira é a que mais assiste
TV entre as de todos os países. Diante da TV a criança é estimulada a comprar o
tempo todo”, alertou a pedagoga Roberta Capezzuto, integrante do Núcleo de
Educação do Instituto Alana, organização que defende o desenvolvimento saudável
da criança em todos os aspectos. "E é muito fácil vender para
crianças porque elas acreditam em tudo o que se diz.”
Segundo ela,
a situação é preocupante. Pesquisas mostram que 30 segundos de exposição a uma
propaganda é suficiente para que a criança seja influenciada por uma
marca. Isso é muito preocupante porque estimula um consumismo prejudicial
à infância e seus familiares.
“Há prejuízos para o desenvolvimento físico e
cognitivo das crianças uma vez que elas deixam de brincar para ficar na frente
da TV por horas seguidas.” O resultado imediato da combinação sedentarismo e
consumo de alimentos anunciados – 80% deles são calóricos, conforme pesquisas –
é a obesidade na infância. Dados do Ministério da Saúde mostram que 33% das
crianças brasileiras estão com sobrepeso.
“Outro problema é a erotização precoce. Não é à toa
que a primeira relação sexual aos 15 anos vem aumentando em todo o Brasil”,
disse Roberta. Isso tudo sem contar o estresse familiar causado por chantagens
dos filhos que, seduzidos pela publicidade, pressionam os pais para comprar os
produtos anunciados durante a programação infantil, com linguagem acessiva e
com apelos visuais. E o danos psicológicos são trazidos por comerciais que
exibem a falsa ideia de famílias sempre perfeitas, quando na realidade todas as
famílias enfrentam problemas em vários momentos. “Será justo culpar os
pais pelo consumismo excessivo quando há uma indústria milionária por trás
dessa pressão que vitimiza a criança?”, questionou.
"Existem iniciativas para restringir a
publicidade destinada ao público infantil. Mas todas sofrem ataques dos meios
de comunicação, que argumentam que essas propostas ferem a liberdade de
expressão", disse o jornalista Alex Criado, da coordenação da Aliança pela
Infância. "Essa defesa da liberdade de expressão, no entanto, esconde
interesses escusos."
Entre eles
está o Projeto de Lei 193/2008, do deputado Rui Falcão (PT), que está pronto
para ir ao plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo. A proposta regulamenta
a publicidade, no rádio e TV, de alimentos dirigida ao público infantil. O PL
proíbe no estado a publicidade dirigida a crianças de alimentos e bebidas
pobres em nutrientes e com alto teor de açúcar, gorduras saturadas ou sódio
entre as 6h e 21h. A proibição vale também para divulgação desses produtos em
escolas públicas e privadas. A proposta veta ainda a participação de
celebridades ou personagens infantis na comercialização e a inclusão de brindes
promocionais, brinquedos ou itens colecionáveis associados à compra do produto.
Já a publicidade durante o horário permitido deverá vir seguida de advertência
pública sobre os males causados pela obesidade.
O projeto
está de acordo com o que prevê o artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor
(CDC), que proíbe qualquer publicidade enganosa ou abusiva que se aproveite da
deficiência de julgamento e experiência das crianças. Em 2010, o Instituto
Alana denunciou ao Procon a rede Mc Donald's por vincular brinquedos às
promoções de seus produtos. Conforme a denúncia, a associação de brinquedos com
alimentos incentiva a formação de valores distorcidos, bem como a formação de
hábitos alimentares prejudiciais à saúde.
Além de
criação de leis para proteger as crianças dos efeitos nocivos da publicidade,
Roberta defende a ação conjunta de famílias, escolas, movimentos sociais, ONGs,
empresariado e o estado. Em sua apresentação, ela mostrou o filme Criança, a alma do négócio, que mostra
depoimentos de crianças, pais, professores e especialistas sobre consumismo e a
vulnerabilidade das crianças à propaganda. Produzido em 2008, o filme continua
atual.
"Leis que defendem as crianças dos efeitos
nocivos da publicidade existem, como a Constituição Federal, o Estatuto da
Criança e do Adolescente e o próprio Código de Defesa do Consumidor. Basta que
sejam cumpridos", disse Roberta.
Em 28 países há restrição à publicidade voltada
para crianças. Suécia e Noruega baniram a publicidade.
Brincadeiras de verdade
“O encurtamento da infância – as crianças estão
deixando de brincar mais cedo e essa precocidade a transforma em consumidores –
é uma questão que merece muita reflexão”, disse a educadora Adriana Friedmann,
coordenadora da Aliança pela Infância. A entidade mantém 20 núcleos espalhados
pelo país para pesquisar e disseminar a importância do brincar.
Segundo ela,
consumo não combina com infância. "Quando uma criança pede um brinquedo, é
porque está angustiada. É como se ela dissesse: olha pra mim. Elas não sabem,
mas estão dizendo isso."
Para
Adriana, estão faltando coisas simples e essenciais nos relacionamentos
familiares, como o preparo de uma comida com afeto, mais tempo para o diálogo e
brincadeiras. "Precisamos organizar nosso tempo, pegar a criança no
colo, contar uma história, cantar uma música – isso é brincar também. Hoje em
dia, o maior presente que podemos dar a uma criança é estar com ela por
inteiro.”
Adriana
lembrou que o brincar mais livre, sem brinquedos estruturados, com a
criatividade do faz-de-conta era comum até os anos 1950, 1960. De lá para cá os
brinquedos foram sendo introduzidos e hoje as crianças – e adultos – são cada
vez mais dependentes de aparatos tecnológicos, os brinquedos atuais. “A nossa
sociedade está doente, hipnotizada pela tecnologia. As pessoas estão o tempo
todo desconectadas da realidade, da pessoa ao lado, daquilo que é essencial nas
relações sadias, e fixadas em aparelhos como o celular. Compramos para nós e
para nossos filhos”, lamentou.
Segundo
Adriana, são muitas as questões para as quais não existem respostas prontas.
“Precisamos olhar para dentro de nós mesmos, voltar à nossa infância, negociar
com as crianças e dar a elas alternativas que ainda não conhecem, ensinar
brincadeiras antigas e brincar mais com elas."
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