Crédito: Cicaf |
Por Antônio Serpa do Amaral Filho
O movimento grevista explodiu no
canteiro de obras da usina hidrelétrica de Jirau – distante cerca de 100
quilômetros da capital do Estado de Rondônia. Os operários gritavam por justiça
e dignidade. Os patrões vociferavam por eficiência e produtividade. De um lado
o Capital. Do outro, o Trabalho. Aproximadamente 20 mil homens estavam
paralisados. Apenas os serviços essenciais foram mantidos em funcionamento –
informava a empresa Camargo Correia. O aparelho policial atacou os grevistas. A
tragédia era anunciada a cada momento. Todos temiam um quebra-quebra
generalizado, a exemplo do que ocorreu no ano passado, atraindo as lentes e
repórteres da imprensa nacional e internacional.
A maldição de Espártaco ronda o
canteiro de obras. Diz a lenda, e o professor Dante Fonseca, que Espártaco era
um escravo filho de outro escravo e que era um homem castigado pelos capatazes,
pelo chicote e pelo trabalho árduo na minas de ouro do Império Romano. Um dia
ele liderou uma histórica revolta contra o poderio de César. Que os homens
trabalhadores de Jirau trabalham como escravos, aqui em Rondônia todos sabem, e
uma boa parte finge que não sabe. Parece que só o Everton Leoni é que não sabe,
por isso vive a defender com unhas e dentes as empresas construtoras das
usinas, como se fosse um beneficiário direto do líquido leitoso que flui de uma
das tetas profanas desse grupo empresarial.
Mas a miopia e o conservadorismo
servil não é privilégio de Everton Leoni; os senhores juízes da justiça do
trabalho parecem ser caolhos também. Acompanham a procissão dos cegos outros
setores da sociedade organizada como a Assembléia Legislativa do Estado e o
próprio Governo do senhor Confúcio Moura – que teve a infeliz idéia de doar, a
título de isenção, a soma de quase um milhão de reais a essas paupérrimas
empresas, que fecharam com o governo federal um negócio de 25 bilhões de reais
para fazer essas malditas usinas. O Partido dos Trabalhadores fez ouvido de
mercador ao clamor e à insurreição dos obreiros por quem deveria lutar.
Segundo fontes fidedignas,
existem informações de que os 20 mil operários da obra estão em situação de
superexploração, com salários extremamente baixos, longas e desumanas jornadas
de trabalho e péssimas condições de trabalho. Há denúncia de que existe
epidemia de doença dentro da usina e não há atendimento adequado de saúde, que
o transporte dos operários é de péssima qualidade, sofrem com a falta de
segurança e que mais de 4.500 operários estão ameaçados de demissão. Essa é a
realidade da vida que aqueles homens levam no canteiro de obra de Jirau.
Esta situação tem como principal
responsável os donos da usina de Jirau, o Consórcio formado pela transnacional
francesa Suez, pela Camargo Corrêa e pela Eletrosul. As revoltas dos operários
dentro das usinas tem sido cada vez mais frequentes e isso é fruto da brutal
exploração que estas empresas transnacionais impõem sobre seus trabalhadores.
Há pouco tempo houve revolta na
usina de Foz do Chapecó, também de propriedade da Camargo Corrêa, em 2010 houve
a revolta dos operários da usina de Santo Antonio e agora temos acompanhado a
revolta dos operários da usina de Jirau.
As empresas construtoras de Jirau
são as mesmas que foram denunciadas em recente relatório de violação de
Direitos Humanos, aprovado pelo Governo Federal, que constatou que existe um
padrão de violação dos direitos humanos em barragens e de criminalização, sendo
que 16 direitos têm sido sistematicamente violados na construção de barragens.
Os atingidos por barragens e os operários tem sido as principais vítimas.
A empresa Suez, principal
acionista de Jirau, é dona da Barragem de Cana Brava, em Goiás, e Camargo
Corrêa é dona da usina de Foz do Chapecó, em Santa Catarina. Essas duas
hidrelétricas também foram investigadas pela Comissão Especial de Direitos
Humanos em que foi comprovada a violação. Estas empresas tem uma das piores
práticas de tratamento com os atingidos e com seus operários.
Em junho de 2010, o MAB já havia
alertado a sociedade que em Jirau havia indícios e denúncias, que circularam na
imprensa local, de que as empresas donas da Usina de Jirau haviam contratado
ex-coronéis do exército para fazer uma espécie de trabalho para os donos da
usina de Jirau e não seria surpresa se estes indivíduos contratados pelas
empresas promovessem ataques ou sabotagens contra os operários e atingidos,
para jogar uns contra os outros e/ou criminalizar nossas organizações e
sindicatos.
No canteiro de obras os operários
são chamados de “orelhas-secas”. Pois bem, a revolta dos Orelhas-Secas é
reflexo desse autoritarismo e da ganância pela acumulação de riqueza através da
exploração da natureza e dos trabalhadores.
Prova desse autoritarismo e
intransigência é que estas empresas se negam a dialogar com os atingidos pela
usina e centenas de famílias terão seus direitos negados. As consequências vão
muito além disso, pois nesta região se instalou os maiores índices de
prostituição e violência.
Em 2011, O Movimento dos
Atingidos por Barragens/MAB completa 20 anos de luta e os atingidos comemoram a
resistência nacional, mas também denunciam que essas empresas não tem
compromisso com a população atingida e nem com seus operários. Recebem altas
taxas de lucro que levam para seus países e o povo da região fica com os
problemas sociais e ambientais.
O MAB uma vez já veio a público
exigir o fim da violação dos direitos humanos em barragens. O que todo esperam
é que as reivindicações por melhores condições de trabalho e vida dos operários
sejam atendidas.
Os grevistas de Jirau não são
orelhas-secas, são trabalhadores brasileiros lutando desesperadamente com o
grande capital por um naco do pão da dignidade. Não são vândalos, são escravos
do capitalismo financeiro que, inspirados talvez na insurreição de Espártacus,
como nos ensina o professor Dante Ribeiro Fonseca, declaram guerra à opressão,
à escravidão, à exploração e à humilhação a que cotidianamente são submetidos.
Não são animais, homens é que são, pensantes, amantes, crentes, viventes e
esperançosos - como todos nós. Toquem o meu coração. Façam a revolução.
*Antônio Serpa do Amaral Filho é jornalista de Rondônia
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