terça-feira, 24 de abril de 2012

O país do agronegócio


Os relatórios da CPT vêm mostrando que as diversas situações de trabalho escravo se alastram por todo o país e atingem patamares cada vez mais elevados

  20/04/2012

Frederico Daia Firmiano

 

No dia 28 de março, a Câmara Federal instalou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as situações de trabalho escravo e análogo à escravidão em áreas urbanas e rurais, em todo o país. Isto, num momento em que volta à cena a discussão sobre a Proposta de Emenda Constitucional n° 438, de 2001, que estabelece a pena de perda da propriedade onde for constatada a existência de trabalho escravo e reversão em área de assentamento rural dos trabalhadores vítimas das situações de escravidão, cuja promessa é que seja votada no próximo mês de maio.

Segundo os “Cadernos de Conflito”, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entre janeiro e setembro de 2011, houve 218 denúncias de situações de trabalho escravo, envolvendo 3.882 trabalhadores e trabalhadoras. O estado do Mato Grosso do Sul foi o recordista, com 1.322 casos. Registre-se que o Mato Grosso do Sul lidera o ranking de assassinatos de indígenas no Brasil desde 2005.

Nos últimos anos, os relatórios da CPT vêm mostrando que as diversas situações de trabalho escravo se alastram por todo o país e atingem patamares cada vez mais elevados. Antes de 2003, registraram uma média de 20 casos anuais. Depois disto, este número passou para mais 250 casos, anualmente. É a partir deste ano também que os agronegócios registram crescimento de mais de 20% ao ano. Alguns objetam, afirmando que, na verdade, não houve aumento de casos, mas sim da fiscalização. Mas isto é pouco relevante.

O que é negativamente importante é que o trabalho escravo persiste num contexto de hegemonia dos agronegócios. E aparece em seus setores mais modernos. O estado do Mato Grosso do Sul e a região centro-oeste, para onde têm se expandido as cadeias produtivas no agronegócio, está entre aqueles que utilizam as tecnologias mais modernas na produção agropecuária. Isso indica que, longe de ser uma manifestação de “setores arcaicos da economia que precisam ser modernizados” esta forma de superexploração do trabalho é parte constituinte do padrão atual de acumulação de capital no campo brasileiro.

A aposta que vem sendo feita pelos governos do Partido dos Trabalhadores (PT) responde a um projeto de hegemonia. Tal projeto aproveitou os processos de reestruturação produtiva e implementação das políticas neoliberais para atender os imperativos político-econômicos do capital transnacional e aos interesses das forças políticas internas e reiterou a posição subalterna do país na divisão internacional do trabalho, como fornecedor de commodities.

Com isso, consagrou um padrão de desenvolvimento que reproduz formas de acumulação altamente destrutivas: é o caso dos agronegócios, que necessitam, permanentemente, expandir a área agrícola agricultável e aumentar a produtividade do trabalho, que reitera as distintas formas de trabalho escravos.

Segundo o deputado paraense Claudio Puty, do PT, a CPI do Trabalho Escravo, que presidirá, não identificará e nem punirá as empresas responsáveis, mas analisará a eficácia da fiscalização trabalhista e verificará a legislação e a estrutura de combate ao trabalho escravo, propondo, ao fim, alternativas para a erradicação da pobreza extrema que, para ele, é a causa principal deste tipo de relação de trabalho.            

Erra o alvo. Acertá-lo significa tocar no modelo de desenvolvimento e, mais que isso, no padrão destrutivo de acumulação de capital que hoje dá o tom deste desenvolvimento. Mas esta é uma tarefa que a CPI do Trabalho Escravo e a votação da PEC 438/2001, em que pese sua importância na luta contra os agronegócios, não pode cumprir, pois essa luta está circunscrita àqueles movimentos radicalmente opostos à dinâmica do capital no campo. Cabe a esses movimentos aproveitar o momento político para mobilizar as forças capazes de enfrentar este modelo de desenvolvimento reprodutor da escravidão.


Frederico Daia Firmiano é professor-assistente da Fundação de Ensino Superior de Passos/Universidade do Estado de Minas Gerais e doutorando em Sociologia pela FCLar/Unesp

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