Os relatórios da CPT vêm mostrando que as diversas situações
de trabalho escravo se alastram por todo o país e atingem patamares cada vez
mais elevados
20/04/2012
Frederico Daia Firmiano
No dia 28 de março, a Câmara
Federal instalou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as
situações de trabalho escravo e análogo à escravidão em áreas urbanas e rurais,
em todo o país. Isto, num momento em que volta à cena a discussão sobre a
Proposta de Emenda Constitucional n° 438, de 2001, que estabelece a pena de
perda da propriedade onde for constatada a existência de trabalho escravo e
reversão em área de assentamento rural dos trabalhadores vítimas das situações
de escravidão, cuja promessa é que seja votada no próximo mês de maio.
Segundo os “Cadernos de
Conflito”, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entre janeiro e setembro de
2011, houve 218 denúncias de situações de trabalho escravo, envolvendo 3.882
trabalhadores e trabalhadoras. O estado do Mato Grosso do Sul foi o recordista,
com 1.322 casos. Registre-se que o Mato Grosso do Sul lidera o ranking de
assassinatos de indígenas no Brasil desde 2005.
Nos últimos anos, os relatórios da CPT vêm mostrando que as
diversas situações de trabalho escravo se alastram por todo o país e atingem
patamares cada vez mais elevados. Antes de 2003, registraram uma média de 20
casos anuais. Depois disto, este número passou para mais 250 casos, anualmente.
É a partir deste ano também que os agronegócios registram crescimento de mais
de 20% ao ano. Alguns objetam, afirmando que, na verdade, não houve aumento de
casos, mas sim da fiscalização. Mas isto é pouco relevante.
O que é negativamente importante
é que o trabalho escravo persiste num contexto de hegemonia dos agronegócios. E
aparece em seus setores mais modernos. O estado do Mato Grosso do Sul e a
região centro-oeste, para onde têm se expandido as cadeias produtivas no
agronegócio, está entre aqueles que utilizam as tecnologias mais modernas na
produção agropecuária. Isso indica que, longe de ser uma manifestação de
“setores arcaicos da economia que precisam ser modernizados” esta forma de
superexploração do trabalho é parte constituinte do padrão atual de acumulação
de capital no campo brasileiro.
A aposta que vem sendo feita
pelos governos do Partido dos Trabalhadores (PT) responde a um projeto de
hegemonia. Tal projeto aproveitou os processos de reestruturação produtiva e
implementação das políticas neoliberais para atender os imperativos político-econômicos
do capital transnacional e aos interesses das forças políticas internas e
reiterou a posição subalterna do país na divisão internacional do trabalho,
como fornecedor de commodities.
Com isso, consagrou um padrão de
desenvolvimento que reproduz formas de acumulação altamente destrutivas: é o
caso dos agronegócios, que necessitam, permanentemente, expandir a área
agrícola agricultável e aumentar a produtividade do trabalho, que reitera as
distintas formas de trabalho escravos.
Segundo o deputado paraense
Claudio Puty, do PT, a CPI do Trabalho Escravo, que presidirá, não identificará
e nem punirá as empresas responsáveis, mas analisará a eficácia da fiscalização
trabalhista e verificará a legislação e a estrutura de combate ao trabalho
escravo, propondo, ao fim, alternativas para a erradicação da pobreza extrema
que, para ele, é a causa principal deste tipo de relação de trabalho.
Erra o alvo. Acertá-lo significa
tocar no modelo de desenvolvimento e, mais que isso, no padrão destrutivo de
acumulação de capital que hoje dá o tom deste desenvolvimento. Mas esta é uma
tarefa que a CPI do Trabalho Escravo e a votação da PEC 438/2001, em que pese
sua importância na luta contra os agronegócios, não pode cumprir, pois essa
luta está circunscrita àqueles movimentos radicalmente opostos à dinâmica do
capital no campo. Cabe a esses movimentos aproveitar o momento político para
mobilizar as forças capazes de enfrentar este modelo de desenvolvimento
reprodutor da escravidão.
Frederico Daia Firmiano é professor-assistente da Fundação
de Ensino Superior de Passos/Universidade do Estado de Minas Gerais e
doutorando em Sociologia pela FCLar/Unesp
Nenhum comentário:
Postar um comentário