União prefere fazer regularização fundiária em terras
públicas a enfrentar latifundiários e a base aliada ruralista
10/04/2012
Aline Scarso,
da Redação
O Estado brasileiro prefere fazer
a regularização fundiária em terras públicas a desapropriar latifúndios no
campo brasileiro para fins de reforma agrária. Isso é o que revelam os dados do
Data Luta, sistematizados pelo Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos da
Reforma Agrária da Unesp (Universidade Estadual Paulista). De 1985 a 2009, 57%
da área destinada à criação de novos assentamentos foram oriundas da política
de regularização fundiária.
Já a desapropriação de imóveis
improdutivos correspondeu a 31% das terras incorporadas. O reconhecimento de
áreas listadas por estados e municípios, a compra e a doação de terras
completam o quadro, correspondendo respectivamente a 9%, 2% e 1% das ações no
período.
Segundo o especialista em geografia agrária e um dos
coordenadores do Data Luta, Bernardo Mançano Fernandes, a regularização
fundiária ocorre predominantemente na Amazônia, em terras ocupadas por
posseiros. “O governo só trabalha com a desapropriação de latifúndios quando há
uma situação de conflito intenso, quando as famílias ocupam e reocupam o local.
Caso contrário, trabalha na regularização fundiária, no reconhecimento e no
assentamento de famílias em lotes abandonados”, explica.
A regularização de terras
públicas ocupadas é uma via mais fácil para o Executivo, já que o PMDB – um dos
representantes dos interesses ruralistas no Congresso Nacional – é um forte
aliado para a governabilidade. Assim, ao invés de enfrentar o setor, a União
vem se submetendo à ordem imposta pelos latifundiários ao campo brasileiro.
“Com essa política de alianças, o governo Dilma não consegue avançar. Nós
sabemos que tem muitos setores na política de alianças que não defendem a
reforma agrária, é um retrocesso para a questão fundiária no Brasil”, avalia
Elisângela Araújo, coordenadora geral da Federação Nacional dos Trabalhadores e
Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf).
O fato é que além de não
priorizar a desapropriação de terras, o governo brasileiro tem cedido até mesmo
as terras públicas para latifundiários e o agronegócio. Exemplo bastante
conhecido no país é o da empresa Sucrocítrico Cutrale, que domina 10 mil
hectares da União em Iaras, no interior de São Paulo, em área que foi prometida
à reforma agrária.
Também no Pontal do Paranapanema,
segundo Mançano, há pelo menos 600 mil hectares de terras públicas griladas por
usineiros e que poderiam assentar 20 mil famílias. Para a mesma região, o
governador do estado, Geraldo Alckmin (PSDB), propõe o projeto de lei 687/
2011, que altera lei de 2003 sobre a posse de terras devolutas que, se
aprovada, beneficiará principalmente grandes fazendeiros.
Outro exemplo é o Pará, onde o
Estado firmou um acordo com o fazendeiro Benedito Mutran e vendeu por R$ 400
mil a área onde estava ilegalmente localizada a fazenda Mundo Novo. A mesma
fazenda foi vendida por Mutran para a empresa Agropecuária Santa Bárbara
Xinguara S/A, pertencente ao grupo Opportunity que tem como um de seus sócios o
banqueiro Daniel Dantas. O valor do negócio foi de R$ 5 milhões – 13 vezes
maior do que negociado com o Estado.
Norte e Nordeste
Apesar da pressão dos movimentos
sociais com a ocupação de terras nas regiões Sul e Sudeste, são as regiões
Norte e Nordeste que concentram o maior número de famílias assentadas. De
acordo com o Incra, nos últimos 17 anos, 41,5% das famílias conseguiram lotes
no Norte, 33% no Nordeste, 17% no Centro Oeste, 4,5% no Sudeste e 4% no Sul.
“Se o governo construir uma meta,
ele deveria incorporar nela a distribuição regional da reforma agrária. Há um
déficit muito grande nas regiões Sul e Sudeste porque a União tem que comprar
terra e as terras são mais caras. É onde o agronegócio está mais instalado e
onde há também mais pressão popular”, explica Mançano.
Segundo ele, a concentração maior
na região Norte se deve à abertura da fronteira agrícola na Amazônia tanto para
o agronegócio quanto para a agricultura camponesa. “Quando essa fronteira se
fechar e não existir mais maneiras de se avançar contra as florestas, grandes e
pequenos entrarão em conflito por mais áreas. Daí a União terá que se posicionar”,
afirma.
E é o custo das terras no Sul e
Sudeste acaba inviabilizando a desapropriação. É o que pensa Alexandre
Conceição, integrante da Coordenação Nacional do MST. “O governo criou um modus
operandi: diz que não desapropria terra que tenha um custo maior de
R$ 100 mil por família. Com avanço do agronegócio e com o dinheiro que as
transnacionais tem jogado aqui, tem aumentado o valor da terra. É uma medida
administrativa que não condiz com a realidade socioeconômica do país”,
ressalta.
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