quarta-feira, 18 de abril de 2012

Pouca disposição para o conflito

Foto da época do Massacre de Eldorado dos Carajás que ontem dia 17 completou  16 anos sem que  os envolvidos fossem condenados pela morte de 21 sem terras no Pará.

União prefere fazer regularização fundiária em terras públicas a enfrentar latifundiários e a base aliada ruralista
10/04/2012

Aline Scarso,
da Redação  

O Estado brasileiro prefere fazer a regularização fundiária em terras públicas a desapropriar latifúndios no campo brasileiro para fins de reforma agrária. Isso é o que revelam os dados do Data Luta, sistematizados pelo Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos da Reforma Agrária da Unesp (Universidade Estadual Paulista). De 1985 a 2009, 57% da área destinada à criação de novos assentamentos foram oriundas da política de regularização fundiária.

Já a desapropriação de imóveis improdutivos correspondeu a 31% das terras incorporadas. O reconhecimento de áreas listadas por estados e municípios, a compra e a doação de terras completam o quadro, correspondendo respectivamente a 9%, 2% e 1% das ações no período.             
Segundo o especialista em geografia agrária e um dos coordenadores do Data Luta, Bernardo Mançano Fernandes, a regularização fundiária ocorre predominantemente na Amazônia, em terras ocupadas por posseiros. “O governo só trabalha com a desapropriação de latifúndios quando há uma situação de conflito intenso, quando as famílias ocupam e reocupam o local. Caso contrário, trabalha na regularização fundiária, no reconhecimento e no assentamento de famílias em lotes abandonados”, explica.

A regularização de terras públicas ocupadas é uma via mais fácil para o Executivo, já que o PMDB – um dos representantes dos interesses ruralistas no Congresso Nacional – é um forte aliado para a governabilidade. Assim, ao invés de enfrentar o setor, a União vem se submetendo à ordem imposta pelos latifundiários ao campo brasileiro. “Com essa política de alianças, o governo Dilma não consegue avançar. Nós sabemos que tem muitos setores na política de alianças que não defendem a reforma agrária, é um retrocesso para a questão fundiária no Brasil”, avalia Elisângela Araújo, coordenadora geral da Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf).

O fato é que além de não priorizar a desapropriação de terras, o governo brasileiro tem cedido até mesmo as terras públicas para latifundiários e o agronegócio. Exemplo bastante conhecido no país é o da empresa Sucrocítrico Cutrale, que domina 10 mil hectares da União em Iaras, no interior de São Paulo, em área que foi prometida à reforma agrária.

Também no Pontal do Paranapanema, segundo Mançano, há pelo menos 600 mil hectares de terras públicas griladas por usineiros e que poderiam assentar 20 mil famílias. Para a mesma região, o governador do estado, Geraldo Alckmin (PSDB), propõe o projeto de lei 687/ 2011, que altera lei de 2003 sobre a posse de terras devolutas que, se aprovada, beneficiará principalmente grandes fazendeiros.

Outro exemplo é o Pará, onde o Estado firmou um acordo com o fazendeiro Benedito Mutran e vendeu por R$ 400 mil a área onde estava ilegalmente localizada a fazenda Mundo Novo. A mesma fazenda foi vendida por Mutran para a empresa Agropecuária Santa Bárbara Xinguara S/A, pertencente ao grupo Opportunity que tem como um de seus sócios o banqueiro Daniel Dantas. O valor do negócio foi de R$ 5 milhões – 13 vezes maior do que negociado com o Estado.

Norte e Nordeste
Apesar da pressão dos movimentos sociais com a ocupação de terras nas regiões Sul e Sudeste, são as regiões Norte e Nordeste que concentram o maior número de famílias assentadas. De acordo com o Incra, nos últimos 17 anos, 41,5% das famílias conseguiram lotes no Norte, 33% no Nordeste, 17% no Centro Oeste, 4,5% no Sudeste e 4% no Sul.

“Se o governo construir uma meta, ele deveria incorporar nela a distribuição regional da reforma agrária. Há um déficit muito grande nas regiões Sul e Sudeste porque a União tem que comprar terra e as terras são mais caras. É onde o agronegócio está mais instalado e onde há também mais pressão popular”, explica Mançano.

Segundo ele, a concentração maior na região Norte se deve à abertura da fronteira agrícola na Amazônia tanto para o agronegócio quanto para a agricultura camponesa. “Quando essa fronteira se fechar e não existir mais maneiras de se avançar contra as florestas, grandes e pequenos entrarão em conflito por mais áreas. Daí a União terá que se posicionar”, afirma.

E é o custo das terras no Sul e Sudeste acaba inviabilizando a desapropriação. É o que pensa Alexandre Conceição, integrante da Coordenação Nacional do MST. “O governo criou um modus operandi: diz que não desapropria terra que tenha um custo maior de R$ 100 mil por família. Com avanço do agronegócio e com o dinheiro que as transnacionais tem jogado aqui, tem aumentado o valor da terra. É uma medida administrativa que não condiz com a realidade socioeconômica do país”, ressalta.


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