José Paulo
Netto - Publicado em Quinta, 03 Março 2011 01:00
José Paulo
Neto
1.
Lukács jogou todo o sentido de sua vida, a partir
de 1918, quando ingressou no Partido Comunista húngaro1, na
elaboração de uma obra inscrita na vertente do que ele designou como marxismo
ortodoxo, um marxismo visceralmente distinto do marxismo vulgar, então
dominante e generalizado pela Segunda Internacional (a velha Internacional
Socialista).
O marxismo
ortodoxo de Lukács, na medida em que se funda numa particular articulação entre
a teoria e a prática,2 implica de modo necessário uma dimensão
imanentemente política no conjunto da obra construída no seu marco; como Carlos
Nelson Coutinho escreveu,
[...]mesmo a grande Ontologia – ainda que, de suas
1.200 páginas, somente cerca de 40 sejam dedicadas de modo explícito à análise
filosófica da práxis política – foi programaticamente concebida como um ato de
intervenção política; ao buscar liberar o marxismo de suas deformações
stalinistas e neopositivistas, a obra visava a contribuir para um "
renascimento do marxismo", para a retomada de um autêntico socialismo no
mundo.3
Entendemos
que esse traço essencial vinca o complexo teórico erguido por Lukács em mais de
meio século da atividade intelectual, ou seja: a sua obra filosófica e
estético-crítica elaborada a partir de 1918, sem prejuízo de suas
especificidades teóricas, está saturada de entonação política. Duas
referências, que tomamos aqui como simples ilustrações, podem esclarecer esta
determinação.
A partir da
entrada dos anos 1930, quando Lukács já pensava – antes do VII Congresso da
Internacional Comunista (1935), que superou intempestivamente o grave equívoco
da palavra de ordem "classe contra classe" – tanto a luta
antifascista quanto a estratégia de transição ao socialismo na ótica da unidade
(centralizada pela classe operária) das forças populares e democráticas, a sua
elaboração estética e crítica relativa ao romance revela-se fortemente enlaçada
ao seu pensamento político. Quer concebendo a forma romanesca como a estrutura
particular, quer recuperando o significado do realismo burguês – v.g, O romance
histórico (1937), Escritos de Moscou (1933-1944)4 -, Lukács repõe,
no plano teórico, as exigências da política das frentes populares. Também nos
anos 1930, quando Hegel era instrumentalizado mistificadoramente pelos
ideólogos do fascismo, a interpretação lukacsiana da sua obra (O jovem Hegel
e os problemas da sociedade capitalista, concluído em 1938 e publicado dez
anos depois) mostra-se solidária com o empenho de resgatar os conteúdos humanistas
e democráticos do pensamento burguês anterior a 1848, quando a burguesia,
enquanto classe, experimenta a inflexão – analisada por Lukács no áspero A
destruição da razão (1954) – que a conduzirá à "decadência
ideológica". Nestes dois passos, há a notar, enfaticamente que:
1) a crítica
literária e filosófica lukacsiana não se reduz com essa dimensão política; se
ela, sem dúvidas, impôs-lhe alguns limites, permitiu-lhe também ampliar e
densificar categorias teóricas, enriquecendo o acervo analítico da forma
literário-romanesca e de romancistas e o patrimônio heurístico dos estudos
hegelianos;
2) o fio da
concepção política lukacsiana não vulnerabilizou somente a(s) ideologia(s)
burguesa(s), mas feriu também a escolástica do dogmatismo da era stalinista que
instaurava – seja problematizando a utilização pragmática e rasteira do
realismo socialista, seja demonstrando a inépcia da caracterização de Hegel
como pensador reacionário.
Em resumo: a obra marxista de Lukács, em que pesem
os giros efetuados pelo filósofo desde 1918, jamais esteve, do ponto de vista
do seu conteúdo essencial, alheia à dimensão política.
Há, todavia,
no conjunto dessa obra, um estrato que, indiscutivelmente, pode ser
caracterizado como eminentemente político5, refigurando um processo
de evolução e acúmulo que articulará a concepção política madura de Lukács.
Constitui-o um elenco significativo de fontes (ensaios, conferências, artigos
curtos, entrevistas) nas quais a atenção do filósofo volta-se diretamente para
a problemática política em sentido estrito, enfrentando até as "questões
do dia". Não se trata de um elenco textual homogêneo, e uma avaliação
abrangente, fundada numa análise inclusiva desse elenco, revelaria nele pelo
menos três momentos distintos.
2.
O primeiro
momento abre-se com os textos elaborados por Lukács entre a proclamação da
Comuna húngara (março de 1919)6 e a "ação de março" (1921)
dos comunistas alemães e a sua completa derrota em 19237, período em
que foi presença marcante na revista Kommunismus8 e publicou
Tática e ética (sua primeira coletânea marxista, 1919) e História e consciência
de classe (1923). O messianismo revolucionário de que estava imbuído o filósofo9
conduziu-o a um utopismo radical e a tomadas de posição tais que Lenin não
hesitou em considerá-lo "esquerdista"; messianismo e utopismo, por
outra parte, que se colavam teoricamente numa particular leitura da obra de
Rosa Luxemburg.
À época,
Lukács via a revolução proletária como processo imediata e universalmente em
curso10 e compreendia, neste processo, o Partido Comunista –
expressão mais alta da consciência de classe do proletariado, tomado este
enquanto o sujeito que introduziu um sentido na história – como organizador
demiúrgico da passagem da "pré-história da humanidade" ao estágio da
emancipação humana.
Este momento
da constituição do pensamento político de Lukács (nutrido, ainda, pelo
principismo eticista próprio de um intelectual que, oriundo de família e
educação aristocratizadas e aristocratizantes, renuncia conscientemente à sua
origem e condição de classe e corajosamente salta para a trincheira oposta nas
lutas de classes) começa a esbater-se a partir de meados dos anos 1920. O
"esquerdismo" de Lukács começa a derruir-se.
Do ponto de
vista ideológico, a crítica de Lenin impressionou-o profundamente – e,
escrevendo um pequeno ensaio logo na sequência da morte do líder bolchevique (O
pensamento de Lenin, 1924), Lukács vê-se no início de um ajuste de contas
consigo mesmo para defrontar-se com o antiutopismo leniniano -, conduzindo-o a
repensar as suas tomadas de posição no sentido do que chamou de "realismo
revolucionário".
Por outra
parte, já antes, o III Congresso da Internacional Comunista (junho-julho de
1921), de que Lukács participou, em Moscou, pressionara claramente o
"esquerdismo", colocando na ordem do dia a "frente única
proletária" e reconhecendo o refluxo da maré revolucionária – nas palavras
de Lenin, "há que pôr fim à ideia de assalto {ao Estado burguês] e
substituí-la pela ideia de assédio"11. Mas é no seu IV
Congresso (Moscou, dezembro de 1922), que a Internacional Comunista consolidou
a nova orientação, realçando que o mundo capitalista experimentava uma
"relativa estabilidade". Foi,contudo, a prática política no interior
do partido húngaro, na qual ele estará medularmente comprometido, com sua
atividade dirigente, que responde pela rotação das concepções políticas de
Lukács.12
Com efeito,
entre a morte de Lenin e o II Congresso do Partido húngaro (1929), Lukács é um
dos responsáveis pela direção do Partido, brutalmente reprimido e posto na mais
dura clandestinidade pelo regime protofascita de Horthy. Na luta interna que
irrompe no Partido, Lukács – Blum era seu "nome de guerra" –
alinha-se com a liderança de Jeno Kun, respaldada por importantes segmentos da
direção da Internacional Comunista.
A luta
interna se trava com aspereza e a repentina morte de Landler13 põe
Lukács à frente da oposição: cabe-lhe oferecer, no II Congresso do Partido
(1929), uma alternativa à linha de Béla Kun14, o que obriga o
filósofo a um estudo exaustivo das realidades húngara e internacional. Daí
resulta o documento que apresenta ao Congresso, as célebres Teses de Blum, nas
quais propõe, como objetivo do Partido, no combate pela derrubada da ditadura
de Horthy, não uma república conselhista (tal como a Comuna húngara de 1919),
porém uma ditadura democrática de operários e camponeses, cujo conteúdo
imediato e concreto não ultrapassaria os quadros econômicos da sociedade
burguesa15. Essa proposta, produto de um acurado estudo
econômico-social e político da Hungria, expressava também a maturação política
da adesão de Lukács ao comunismo, fomentada pela sua prática partidária e pelo
seu melhor conhecimento das relações internacionais.
A proposta,
todavia, era formulada no momento mesmo em que a Internacional Comunista, numa
viragem espetacular operada no seu VI Congresso (julho-setembro 1928),
substitui de fato a política da "frente única proletária" por aquela
da "classe contra classe", justificando-a pela alteração da
conjuntura: à "estabilidade relativa" do capitalismo sucederia um
novo período (o "terceiro"), marcado pela sua "crise
geral", o que repunha – segundo a interpretação da Iinternacional – a luta
pela ditadura do proletariado na ordem do dia16. Em suma: Lukács
operava um giro político no sentido diametralmente oposto àquele a que se
dirigia a nova orientação da Internacional Comunista – de fato, a proposta
lukacsiana antecipava, individual e, na realidade, solitariamente, uma
plataforma que só teria guarida no movimento comunista tardiamente, após a ascensão
de Hitler, somente sendo abraçada pelos comunistas depois da palavra de ordem
da "frente ampla" tal como a apresentou G.Dimitrov no VII Congresso
da Internacional Comunista (julho-agosto de 1935).17
O resultado
não poderia ser outro: uma fragorosa derrota das Teses de Blum no congresso do
Partido húngaro, que obrigou Lukács a uma autocrítica insincera (1929)18
e o recolhimento em face da atividade político-partidária. A derrota do
filósofo na luta interna, porém, marcou especialmente a ruptura do próprio
Lukács com suas concepções utópico-esquerdistas (ele reconheceu,
explicitamente, que as Teses de Blum constituem uma "conclusão"19)
e o passo ao segundo momento evolutivo do seu pensamento político.
3.
À concepção
política esboçada nas malogradas Teses de Blum faltava um substrato
teórico-filosófico – substrato que permitiria a Lukács assentá-la com solidez e
desenvolvê-la consequentemente. É esse substrato que começa a desenhar-se entre
1930 e 1931, quando, estagiando em Moscou antes de transferir-se para a
Alemanha, tem a oportunidade de estudar manuscritos ainda inéditos de Marx e
Engels (que viriam à luz em 1932: os Manuscritos econômico-filosóficos de
1844 e A ideologia alemã) e de iniciar uma sistemática análise da
obra de Lenin.
A estância
de Lukács na Alemanha, entre 1931 e a chegada de Hitler ao poder,
confrontando-o diretamente com a política de "classe contra classe" –
dos grandes partidos comunistas, talvez tenha sido o alemão aquele que
implementou mais radicalmente a orientação do VI Congresso da Internacional.
Escaldado pela derrota de Blum e continuando primordialmente preocupado em não
ser alijado da luta antifascista por um afastamento qualquer do movimento
comunista, Lukács combate aquela política nos estreitos limites da sua atividade
como crítico literário – donde os seus debates acerca do impressionismo e
contra o vanguardismo sectário da esquerda alemã.20
Mas é no
duro exílio na União Soviética que o seu pensamento político ingressa mesmo num
segundo momento evolutivo: aí ele embasará teoricamente a concepção política
que, nas Teses de Blum, se encontrava ainda em statu nascendi.
Justamente nesses anos, que vão de 1933 a 1945 – mais de uma década em que se
entrecruzam os horrores do fascismo, a plena instauração do stalinismo e do seu
terror e a guerra –, Lukács consolidará a sua concepção política madura. Do
ponto de vista teórico-filosófico, ele se apropriará intensivamente do conjunto
da herança de Marx e Engels, superando os vieses que marcaram parte da sua
elaboração dos anos 1920; em especial, seus estudos históricos e
econômico-políticos erodem definitivamente os resíduos do seu utopismo inicial;
e também o aprofundamento de sua investigação sobre a obra leniniana lhe
propicia uma visão mais rica e abrangente do caráter unitário do marxismo como
concepção de mundo. Cumpre assinalar que, desde então, Lenin se inscreverá no
universo intelectual de Lukács com uma centralidade que vai muito além da
referência teórica e política – centralidade que, desenvolvida depois de 1956,
redundará na entronização de Lenin como emblema para configurar a construção do
"homem novo" anunciado pelo comunismo.21
Também
nesses anos estão as raízes da perspectiva teórico-filosófica do marxismo que,
nos anos 1960, depurada e afinada, Lukács explorará ao limite, designando-a
como ontológica e postulando-a como a única capaz de, simultaneamente, guardar
a fidelidade ao espírito de Marx e assegurar o desenvolvimento crítico-criador
do marxismo (nas palavras do último Lukács, "o renascimento do marxismo").
Ainda aqui,
contudo, foram as duras lições da história que conduziram a reflexão política
lukacsiana – de uma parte, a derrota das forças democráticas e populares em
face da instauração do fascismo e, doutra, a terrível experiência do
stalinismo. Se a primeira foi objeto da sua investigação e resultou numa série
de ensaios publicados ao longo do período e mesmo ulteriormente, a segunda teve
efeitos e impactos duradouros, porém só explicitados no pós-1956.
Lukács,
exilado na União Soviética de Stalin, não se dispôs ao sacrifício físico para
combater abertamente o stalinismo (o que, diga-se de passagem, não impediu que
sofresse coerção direta22). A posição de Lukács torna-se
compreensível se se leva em consideração a sua análise política de fundo: o
filósofo, no contexto da expansão do fascismo e da Segunda Guerra Mundial,
estava absolutamente convencido de que a sobrevivência da União Soviética era
um valor absoluto, que condicionava tanto a vitória sobre a barbárie fascista
quanto a possibilidade de evolver futuro do socialismo; por isso, mesmo que
intimamente desenvolvesse uma postura crítica em face de Stalin e de seus
métodos desde 1938-1939, ele não a exprimiu publicamente. Julgava, e nunca
recuou desde julgamento, que fazê-lo equivalia a abrir o flanco ao inimigo.
L.
Feuchtwanger, aliás objeto de notações críticas em O Romance histórico,
escreveu em alhum lugar que "ser mártir é fácil; difícil, muito difícil, é
permancer entre luzes e sombras pelo bem de uma ideia". Tais palavras caem
como uma luva para a problemática posição assumida por Lukács: ele se recusou
ao martírio e travou contra o stalisnismo, nesses anos, o combate possível, que
caracterizaria como o "combate espiritual de um partisan" : defendeu,
no plano estrito da cultura, ideias colidentes com a doutrina oficial23,
mas sempre protegendo-se com citações protocolares de Stalin e com uma
intencional restrição de seus juízos à esfera cultural.24
O fato é que
os silêncios de Lukács, sua reverência formal a Stalin e a limitação da sua
crítica oblíqua ao plano de cultura custaram-lhe o rótulo de
"stalinista": G. Lichtheim mensiona "a resoluta adesão de Lukács
a Stalin" e, de forma mais delicada, Y. Ishaghpour credita-lhe uma "
adesão mais ou menos tácita ao stalinismo"; outros, como H. Rosenberg,
assinalam a "sua patética resistência ao stalinismo"; na
contracorrente, críticos como L. Kofler replicaram que "Lukács e o
stalinismo distinguem-se entre si como o socialismo democrático distingue-se do
socialismo burocrático. Entre eles não há nenhuma ponte".25
Entendemos
que este último juízo está mais próximo da verdade – mas ele requer
determinações para tornar-se mais exato. De uma parte, é necessário analisar em
que medida a opção de Lukács impôs-lhe limitações significativas no plano de
suas avaliações crítico-filosóficas e estéticas26; de outra, no que
diz respeito diretamente a sua concepção política, há que investigar como
também a sua opção pelo "combate espiritual de um partisan" no marco
posto pela defesa do "socialismo em um só país" deixou sequelas que
não podem ser ignoradas.27
4.
Lukács
retorna à Hungria em 1945, depois de mais de um quarto de século de ausência
forçada. Chega com a Libertação propiciada pelas vitórias do Exército Vermelho
e participa ativamente do processo de reconstrução nacional, no plano cultural
(torna-se membro da direção da Academia de Ciências da Hungria, leciona na
Universidade de Budapeste) e no plano político (participa do Conselho Nacional
da Frente Popular Patriótica).
Regressa a
seu país projetando sua inserção na vida húngara a partir de duas hipóteses,
intimamente vinculadas entre si: de uma parte, está convencido de que a
conjuntura mundial propiciará a continuidade, sobre novos fundamentos, da
"grande aliança" construída em 1941 entre as democracias ocidentais e
a União Soviética, favorecendo um clima internacional de paz e desenvolvimento
progressista; de outra, acredita firmemente que a reconstrução nacional deverá
avançar mediante a unidade das forças democráticas e populares (daí, entre
outros, seu esforço de entendimento e união entre socialdemocratas e
comunistas), na construção do que sustentava ser a democracia popular ou, nos
termos lukacsianos da época, a nova democracia.28
Estas duas
hipóteses condensavam o que, linhas acima, designamos como sendo a sua
concepção política madura, elaborada nos anos do exílio na União Soviética. De
uma parte, Lukács, mesmo convencido de que capitalismo e socialismo constituíam
sistemas necessariamente mundiais, compulsoriamente demandantes do espaço
planetário, tinha por viável a possibilidade da coexistência dos dois sistemas
sem guerras destrutivas (por isso, inclusive, em sua sincera e apaixonada
participação no Movimento pela Paz, em que exerceu expressiva intervenção), o
que depois de 1956 seria definido como coexistência pacífica - e que não
excluía a dinâmica das lutas de classes por meios outros que não a guerra – é
um dos pilares da concepção política madura de Lukács. O outro, constituiu-o a
sua visão da transição ao socialismo: para Lukács, tratava-se de processo largo
e complexo, que – se implicava ruptura e traumatismos no confronto com a reação
e com os inimigos de classe – teria tanto mais sucesso se se operasse mediante
as vias próprias do enfrentamento de ideias e cosmovisões que envolviam o
conjunto da sociedade, com o recurso sistemático ao debate franco, voltado para
a persuasão e o convencimento. A forte interdependência entre os dois
componentes elementares dessa concepção é óbvia; um clima de paz internacional
vincula-se diretamente à maior limitação possível dos caminhos revolucionários
e meios que dispensem a violência físico-material; e também é óbvia a conexão
dessa concepção com a "política frentista" que Lukács antecipara em
1928.29
Esta é a
concepção com que Lukács regressa à Hungria e com a qual intervém ativamente,
por cerca de três anos, na vida política e cultural de seu país, e, mais, na
vida intelectual europeia – entre 1946 e 1949, viaja ao ocidente, participa de
conferências e congressos, tem obras publicadas no país e no exterior. Mas os
supostos sobre os quais repousava a sua projeção não resistem à prova de curto
prazo da história: de uma parte, a Guerra Fria (e a guerra a quente, como o
demonstrará na sequencia a conflagração coreana) liquida com a alternativa da
coexistência sem belicismo; de outra, os aparatos de poder estatal-partidários,
controlados por grupos afinados com o stalinismo (sem contar o recrudescimento
da ditadura de Stalin no final desses anos), destroem no Leste Europeu as
possibilidades de uma transição socialista sem o recurso à violência e ao
terror.
Na Hungria,
o sinal dos novos tempos é dado por Rakosi, máximo dirigente partidário e
estatal: qualificando 1948 como "o ano da mudança", o ditador
eliminou da vida política a pluralidade partidária e deu início à caça a seus
adversários – uma repressão que atingiu tanto os não-comunistas como os
opositores dos seus métodos no interior do Partido. Como notou Mészáros, o
primeiro passo desta caçada foi, no verão/outono de 1949, o processo contra
Rajk e sua execução; e o regime avançou, simultaneamente, contra tudo o que
significava a nova democracia: desencadeou-se uma cruzada pública (e
internacional: na União Soviética, por exemplo, Fadeiev reclamou "severas
medidas administrativas") contra Lukács.30
A partir de
1949, uma campanha de descrédito e calúnias, orquestrada pela cúpula do
Partido, é dirigida contra Lukcás: aberta formalmente, sob orientação pessoal
de Rakosi, por L. Rudas em julho de 1949, será conduzida subsequentemente por
um grupo de intelectuais vinculados ao aparelho partidário (dentre os quais J.
Révai, M. Horváth e J. Darvas31).
O ataque a
Lukács envolvia a sua intervenção como crítico literário (a pretexto de seus
livros publicados em húngaro depois de 1945: Literatura e democracia e Por
uma nova cultura húngara) , retomava a condenação às Teses de Blum e
promovia um inquisitorial às suas ideias acerca do realismo socialista e da
significação da literatura russa. Porém, o alvo cebtral dos adversários era a concepção
política que – segundo eles, e corretamente – se vinculava às suas ideias
acerca da cultura: a sua defesa de nova democracia. Indo diretamente ao nó do
problema, no mais longo dos seus derradeiros depoimentos, Lukács relembra o que
o antagonizava, nos finais dos anos 1940, com o regime Rakosi:
Na minha
opinião, que remonta às Teses de Blum, a democracia popular é um socialismo que
nasce da democracia. Segundo o outro ponto de vista, a democracia popular é,
desde o início, uma ditadura e, desde o início, aquela forma de stalinismo para
a qual ela evoluiu após o caso Tito.32
A cruzada
anti-Lukács se acentua em 1950, repercutindo no movimento comunista
internacional. Sob forte pressão, Lukács faz autocrítica, de novo recusando-se
ao martírio33, e é obrigado, em 1951, a recolher-se à vida privada.
Mais uma vez, como em 1929, a intervenção política do filósofo redunda numa
derrota. Ele e suas ideias políticas deixam a cena pública – contudo, não será
por muito tempo.
5.
1956 é o ano
do "outubro húngaro"34. Fazendo a síntese do que se passou
naquele ano, um comentarista registrou: "revolta dos intelectuais, queda
do stalinista Rakosi; retorno ao poder de Imre Nágy; ressurgimento de uma
imprensa livre e de partidos políticos; desmoronamento do Partido Comunista;
fim da coletivização; florescimento dos conselhos operários; a revolução é
esmagada pelas tropas russas".35
O comentarista não mencionou que, na explosão da
crise do regime de Rakosi, também entraram na arena forças
contra-revolucionárias, efetivamente reacionárias; porém, como assinalou um
ex-marxista,
[...] o dilema húngaro não era entre um socialismo
existente, por mais imperfeito que fosse, e a contra-revolução, e sim entre uma
realidade anti-socialista e uma possibilidade socialista. A imensa maioria dos
operários, estudantes e intelectuais não combateria até a morte para reinstalar
capitalistas nas fábricas e sim instaurar uma democracia política que tornasse
real a posse das fábricas pelos trabalhadores [...]. Diante do despertar das forças
reacionárias húngaras, [...] a garantia eram os operários húngaros organizados
em conselhos [...], eram também os intelectuais e estudantes, que em sua
maioria ainda acreditavam no socialismo e não queriam passar de uma ditadura a
outra.36
O ex-marxista
tem razão: o que explode na Hungria – tendo como pano de fundo a
desestalinização que fora posta em curso a partir do "relatório
secreto" de Kruschev ao XX Congresso do Partido Comunista da União
Soviética (PCUS), em fevereiro de 1956 – é a demanda de profundas mudanças que
levassem à realização de algo como a nova democracia que Lukács propusera no
imediato pós-guerra. Por isso mesmo, o velho filósofo reingressa na cena
política com entusiasmo: em junho, pronuncia no "Círculo Petöfi" a
conferência A luta entre progresso e reação na cultura contemporânea e,
juntamente com Tibor Déry, Giulia Illiés e István Mészáros37, lança
a revista Eszmélet (Tomada de consciência). De junho a novembro, seu
ativismo parece juvenil: participa do processo de refundação do partido e
torna-se Ministro da Cultura do efêmero governo Nágy, cargo a que renuncia
quando este propõe a retirada da Hungria do Pacto de Varsóvia.38 Na
repressão que se segue ao 4 de novembro (quando as tropas russas entram em
Budapeste para liquidar o levante)39, Lukács – após um breve refúgio
na embaixada da Iugoslávia, que ele mesmo considerou um "erro brutal"
– é deportado para a Romênia.
No ano
seguinte, obtém permissão para retornar. Exige-se-lhe uma autocrítica, que ele
rechaça frontalmente: "Lukács, o velho Lukács de 71 anos, recusa-se a
fazer novamente sua autocrítica, a reconhecer seus erros, a submeter-se
novamente à autoridade e à burocracia que se pretendem socialistas. No terceiro
canto do galo, o Pedro petrificado do marxismo se recusa a renegar e a
renegar-se".40 Concede-se-lhe uma espécie de otium cum
dignitate, mas lhe é negado o ingresso no Partido refundado41 e
se lhe impõe a proibição de suas publicações e atividades políticas, ao mesmo
tempo em que nova campanha é oficialmente aberta contra ele.42
Logo afinado
com os novos tempos da desestalinização, o governo de Kadar, após a
"normalização" (ou seja, quando a oposição expressa em outubro de
1956 foi desarticulada), orienta-se num sentido auto-reformista: promove
significativas alterações na ordem econômica e instaura um clima de tolerância
política e ideológica. Em face deste novo rumo, Lukács preocupa-se
fundamentalmente em apoiar as mudanças que parecem progressistas e
democratizantes: definia sua postura no quadro húngaro como "não oposição,
mas reforma", sublinhando que o essencial era a solução da questão básica:
a questão democrática.43
Aí reside o
componente inédito que enriquece a concepção política madura de Lukács e a
eleva a um patamar mais alto: ainda que prosseguindo e prolongando as ideias
que o conduziram à defesa da nova democracia, é legítimo afirmar que, no
pós-56, o filósofo chega ao estágio culminante de sua reflexão política,
configurador do terceiro momento a que aludimos: a democracia defendida por
ele, e qualificada como socialista, propõe-se como a via para a reconversão das
sociedades soviéticas e do leste em formações societárias compatíveis com o
projeto emancipador que animou o pensamento marxiano e marxista antes da sua
perversão pelo dogmatismo e pelo sectarismo.
De fato,
após o XX Congresso do PCUS e seu retorno da deportação, Lukács vislumbra a
concreta possibilidade de uma auto-reforma do "socialismo real"
(expressão, aliás, estranha a Lukács). Avalia o período que se abre como uma
transição que pode resgatar as promessas emancipadoras do Outubro vermelho de
1917, desde que se erradiquem as raízes do stalinismo e, ao mesmo tempo,
mantenha-se e se aprofunde a crítica da sociedade burguesa44 – que,
para ele, volta a experimentar, nos anos 1960, uma crise profunda45.
No plano político, pois, trata-se de um combate em duas frentes: contra o
stalinismo (que ele jamais reduziu ao clichê do "culto à
personalidade") e contras as falsas alternativas oferecidas a ele (no
limite, a restauração da democracia política formal burguesa).
Lukács
estava firmemente convencido de que este combate em duas frentes implicava uma
profunda renovação do pensamento marxista; donde o seu esforço teórico para
fomentar o que chamou de renascimento do marxismo, esforço do qual são
testemunhos documentais a monumental Estética (cuja primeira parte, a única
concluída, sai em 1963) e a Ontologia do ser social (publicadas, a "grande
ontologia", em 1976-1981, e a "pequena", em 1986), bem como o
seu estímulo às pesquisas de investigadores jovens, como aqueles que ficaram
conhecidos como membros da "Escola de Budapeste".46
Neste
período, Lukács pôde expressar livremente o seu pensamento político47,
explicitando-o claramente, sem as restrições e os compromissos a que se
condicionara anteriormente. Os textos mais expressivos desta quadra são
dirigidos à crítica do stalinismo e suas sequelas e põem a questão da
democracia socialista na ordem do dia. E neles se expressa, reiteradamente, a
aposta na auto-reforma do socialismo, sempre sinalizada pelo apoio que Lukács
ofereceu à liderança soviética de Kruschev.
Esta aposta,
como o desenvolvimento posterior da história demonstrou, foi perdida: as
regressões do regime soviético sob Brejnev reverteram a sua possibilidade e, no
fim dos anos 1980, os tardios intentos de Gorbachov comprovaram que a
auto-reforma era inviável, do que derivou a insustentabilidade da experiência
iniciada em 1917. Lukács, porém, não assistiu a este desfecho.
Mas há forte
indicações de que ele pressentiu, com a queda de Krusckev (1965) e especialmente
com a repressão à auto-reforma empreendida na Tchecoslováquia (agosto de 196848),
que o projeto auto-reformador em que estava empenhado corria risco substantivo.
Por isto, reagiu imediatamente à invasão da Tchecoslováquia, repudiando a
intervenção das forças do Pacto de Varsóvia49 e redigindo o ensaio
em que sintetiza, clara e inequivocamente, este terceiro momento da sua
evolução política, em formulações que podem ser tomadas como conclusivas do seu
itinerário comunista em texto que entregou à direção do seu partido e só foi
publicado postumamente (1985): Demokratisierung heute um morgen,
integralmente traduzido nesse volume sob o título O processo de
democratização.
Neste
ensaio, coligido no presente volume e em que recusa simultaneamente o modelo
stalinista (e todas as suas derivações) e a democracia política de corte
formal-burguês (ou suas variantes, que seduziram muitos daqueles que se
opuseram ao stalinismo), Lukács põe, como única alternativa progressista às
estruturas do "socialismo real", a democracia socialista, que só pode
ter efetividade se se constituir como democracia da vida cotidiana; mais
exatamente: "uma democracia da vida cotidiana, tal qual apareceu nos
conselhos operários de 1871, 1905 e 1917 e tal qual existiu nos países socialistas
e deve aí ser novamente despertada". Comentando essa passagem, nota
justamente um crítico que Lukács opõe essa democracia dos conselhos operários
"simultaneamente à burocracia arbitrária e à democracia burguesa, como um
sistema de democracia autêntica e real, que surge cada vez que o proletariado
revolucionário aparece no palco da História".50
De fato, no
último Lukács, a transição socialista quase se identifica com um profundo e
radical processo de democratização, a ser perseguido sem concessões se o
horizonte da ação política dos comunistas for mesmo a edificação de uma
sociedade sem exploração, opressão e alienação – isto é, a sociedade comunista.
6.
A concepção
política que Lukács veio desenvolvendo desde a sua adesão ao comunismo não
constitui o núcleo central da sua contribuição ao pensamento marxista: se, na
sua obra, como salientamos, a dimensão política está sempre presente,
conformando mesmo um estrato significativo da sua atividade intelectual e
prático-concreta, é preciso sublinhar que ela não dispõe do privilégio de que
goza em marxistas cuja atenção prioritária voltou-se para a política enquanto
esfera com estatuto, legalidade e relevância específicos (como, por exemplo, em
Antonio Gramsci).
Não é
pertinente, nesta oportunidade, identificar as razões teóricas e/ou filosóficas
deste fato. O que importa é ressaltar que, no conjunto da obra lukacsiana, a
política não comparece como um objeto autônomo, passível de ser tematizado em
suas peculiaridades. Em poucas palavras: há, no conjunto da obra lukacsiana,
uma – insistimos – inequívoca dimensão política; mas não se pode,
legitimamente, considerar a existência de algo como que um sistema de teoria
política na obra lukacsiana: Lukács foi um pensador político, não um pensador
da política. Esta determinação não retira da sua concepção política a
importância, como tampouco minimiza a sua significação; apenas permite apontar
o espaço restrito em que decorre a sua reflexão política, subordinada não a um
tratamento sistemático, mas as exigências decorrentes das suas concepções
teórico-filosóficas e a injunções do seu protagonismo como sujeito político.
Nos textos
recolhidos neste volume, o leitor certamente notará que o espaço restrito a que
nos referimos acima, determinante do arsenal de categorias com que Lukács trata
os processos políticos51, tem fortes incidências na análise política
lukacsiana: por exemplo, a sua crítica de princípio ao stalinismo
frequentemente é viciada por uma redução teoricista – ao colocar no centro de
suas apreciações, vigorosa e corretamente, a questão teórico-metodológica (em
especial, o contraste das concepções stalinianas e stalinistas com as de
Lenin), Lukács não apreende a referência histórico-concreta da experiência
soviética (seus condicionantes econômico-sociais, a contextualidade
internacional, as transformações político-ideológicas etc.) que aparece
rarefeita e com pouco peso.
Deriva dessa
redução teoricista um viés que pode induzir a avaliações unilaterais, pouco
aptas a apreender os nexos complicadíssimos entre teoria e práxis, na suposição
de que a correta imposição teórico-metodológica conduz, pela força da sua
verdade, a soluções políticas adequadas. Poder-se-ia argumentar, num
aprofundamento crítico que escapa ao escopo desta introdução, que a opção de
fundo de Lukács – que, páginas atrás, sinalizamos como valor absoluto (a
existência da União Soviética) e do qual ele nunca abriu mão – responde,
centralmente, pelas limitações da análise política lukacsiana, na qual, quase
sempre, predomina um otimismo não suficientemente fundado.
Enfim, esse
otimismo e mais aquela redução teoricista poderiam ser responsabilizados pelas
derrotas políticas que, independentemente da sua congruência
teórico-metodológica e da sua coerência ideológica, Lukács protagonizou, quer
ao tempo das Teses de Blum, quer no período em que batalhou pela nova
democracia, quer nos anos em que emprestou seu apoio à auto-reforma que
Kruschev tentou implementar.
A crítica
cuidadosa e radical da concepção política de Lukács ainda está por fazer-se e o
primeiro passo para conduzi-la com rigor é conhecê-la, o que reclama
imperativamente o estudo dos textos como os coligidos nesse volume. E, na
condução dessa crítica, há que não perder de vista o espírito geral da obra
lukacsiana pós-1918: Lukács morreu afirmando que "o pior socialismo é
melhor que o melhor capitalismo".52
7.
Cumpre,
finalmente, lembrar ao leitor, em especial ao mais jovem, que a correta
avaliação dos textos aqui reunidos supõe o conhecimento da contextualidade
histórico-política no interior da qual foram elaborados por Lukács. Depois de
mais de um quarto de século, que registrou uma profunda derrota
político-ideológica da classe operária e das camadas trabalhadoras em todo o
mundo, que assistiu ao colapso das experiências pós revolucionárias, que
testemunhou o redimensionamento da dominação do capital e o descrédito das
proposições socialistas – depois dessas quase três décadas de reacionarismo
político e aviltamento cultural, o empenho de Lukács na renovação do socialismo
e no renascimento do marxismo pode parecer algo anacrônico.
Também no
que toca a Lukács, inclusive no que diz respeito à sua reflexão política, é
preciso determinar "o que é vivo e o que é morto" na sua obra; porém
entendemos igualmente que esta avaliação não pode excluir a temporalidade
histórica em que o filósofo se moveu. Os textos aqui reunidos são
historicamente determinados: trazem a marca da esperança aberta com os
primeiros passos para além do stalinismo (da expectativa de um socialismo com rosto
humano), da crise da ordem capitalista (a luta pelos direitos civis e a
rebeldia nos campi dos Estados Unidos; o crescimento dos partidos comunistas e
do movimento sindical classista na Europa Ocidental; a rebelião estudantil na
França e Alemanha; a derrota do imperialismo na sua agressão ao povo do
Vietnã), da quebra dos grilhões colonialistas na África etc. Então, uma cultura
anticapitalista se generalizava e um pensador do nível e da audiência de Sartre
afirmava com tranquilidade que "o marxismo é a filosofia do nosso
tempo".
Esta
temporalidade histórica esgotou-se. Mas é grosseiro equívoco supor que a
história chegou ao fim: Clio, sabe-se, é uma deusa ardilosa. Reprimidas mas não
suprimidas, mistificadas ideologicamente e/ou manipuladas politicamente, as
lutas sociais reais prosseguem e revelam, na sua essencialidade, o
condicionalismo maior das lutas de classes: metamorfoseada, a ordem do capital
não perdeu suas características estruturais de exploração e opressão e continua
produzindo e reproduzindo a sua negatividade. Quando esta reunir as condições
para aflorar à superfície da vida social, colocar-se-á em novo patamar a
questão central da transformação desta ordem societária – colocar-se-á
abertamente o dilema entre uma alternativa socialista renovada e a cronificação
da barbárie capitalista.
Nesta
perspectiva, os textos políticos de Lukács deixam de ser importantes documentos
referidos a uma conjuntura histórica passada. Adquirem uma nova significação e
uma extraordinária atualidade: podem indicar, pela crítica do passado, um rumo
para o futuro.
Esta é, aliás, a razão pela qual nos animamos a
tornar acessíveis ao leitor brasileiro os textos que compõem o presente volume.
Recreio dos Bandeirantes, março de 2008
Notas:
1 Uma síntese bibliográfica da longa trajetória de
György Lukács (1885-1971) está disponível em G. Lukács, O jovem Marx e
outros escritos de filosofia, Rio de Janeiro, UFRJ, 2007, p. 15-24
2 A concepção lukacsiana do "marxismo
ortodoxo" foi formulada no ensaio de abertura de História e consciência
de classe (1923); releva notar que, posteriormente, ao criticar essa obra,
Lukács não estendeu sua autocrítica àquela formulação, em que é central a
relação entre elaboração teórica e práxis (ainda que tenha feito restrições à
concepção de práxis que atravessa o conjunto do livro). Também importa observar
que, em meados dos anos 1920 (1925 ou 1926), precedendo as autocríticas que
realizou em relação à História e consciência de classe, Lukács redigiu um texto
em que a defende das críticas que, imediatamente após a sua publicação, lhe
foram dirigidas por A. M. Deborin (1881-1963) e L. Rudas (1885-1950), texto que
só veio à luz postumamente (1996), sendo vertido ao inglês pouco depois – ver
G. Lukács, A defense of History and class consciousness. Tailism and
dialetic [Uma defesa de História e consciência de classe. Reboquismo e
dialética], Londres, Verso, 2000.
3 C.N. Coutinho, "Lukács, a ontologia e a
política", em R.Antunes e W.L. Rego (org.), Lukács. Um Galileu no
século XX, São Paulo, Boitempo, 1996, p.23.
4 Para todas as referências bibliográficas aqui
assinaladas, ver a bibliografia citada na nota 1.
5 Não casualmente, uma coleção brasileira dedicada
às "fontes do pensamento político" foi inaugurada com um estudo e uma
seleta de textos políticos de Lukács – trata-se do volume Lukács, preparado por
Leandro Konder (Porto Alegre, L&PM, 1980)
6 Para uma aproximação à Comuna Húngara, ver, entre
outros, G.D.H. Cole, Historia del pensamiento socialista, México, Fondo
de Cultura Económica, 1961, v.5; Rudolf L. Tökes, Béla Kun and the Hungarian
Soviet Republic, Nova York Iorque/Londres, Praeger/Pall Mall Press, 1967;
Pierre Broué, História da Internacional Comunista, São Paulo,
Sundermann, 2007, t.1, p. 121 e ss.
7 Para uma súmula dos eventos alemães da "ação
de março" (de 1921) até à derrora comunista de 1923, ver Isabel Loureiro, A
revolução alemã (1918-1923), São Paulo, Unesp, 2005; uma apreciação, de
viés trotskista, encontra-se em Pierre Broué, cit., t. 1, p. 268 e ss. ; uma
visão sintética e equilibrada do colapso da República de Weimar é fornecida por
Peter Gay, no apêndice a seu livro A cultura de Weimar, Rio de Janeiro,
Paz e Terra, 1978.
8 Entre 1921 e 1923, Lukács também escreveu textos
significativos para Rote Fahne (Bandeira vermelha), periódico do Partido
Comunista alemão; tais textos, expressão das suas concepções teóricas e
políticas à época, foram integralmente publicados por M. Löwy em G. Lukács,
Littérature, philosophie, marxisme, Paris, PUF, 1978.
9 Acerca do messianismo do "jovem"
Lukács, ver José Ignacio López Soria, De lo trágico a lo utópico. El
primer Lukács, Caracas, Monte Ávila, 1978; Leandro Konder, "Rebeldia,
desespero e revolução no jovem Lukács", Temas de ciências humanas, São
Paulo, n. 2, 1978; Michael Löwy, Redenção e Utopia. O judaísmo libertário na
Europa Central, São Paulo, Companhia das Letras, 1989; Carlos Eduardo
Jordão Machado, As formas e a vida. Estética e ética no jovem Lukács
(1910/1918), São Paulo, UNESP, 2004.
10 Recordando esse período, Lukács declarou,
décadas depois: "Éramos todos sectários messiânicos. Acreditávamos todos
na revolução mundial como num fato para acontecer amanhã" (G. Lukács,
Pensamento vivido. Autobiografia em diálogo. São Paulo/Viçosa, Ad Hominem/UFV,
1999, p.77).
11 A citação é feita conforme Annie Kriegel, Las
Internacionales obreras (1864-1943), Barcelona, Orbis, 1986, p.92.
12 Estudando esse período de formação do pensamento
político de Lukács, Michael Löwy (A evolução política de Lukács:
1909-1929, São Paulo, Cortez, 1998, p. 234-237), numa instigante interpretação
– da qual divergimos -, aponta a relevância do ensaio lukacsiano Moses Hess
e o problema da dialética idealista (1926) na inflexão que, segundo sua
análise, levaria à "adesão de Lukács ao termidor soviético".
13 Jeno Landler (1875-1928) desempenhou importantes
funções durante a República Húngara dos Conselhos; membro do Comitê Central do
Partido húngaro desde 1919, dirigiu-o durante a emigração na Áustria.
14 Ver, infra, a nota 1 do ensaio "Para além
de Stalin".
15 Excertos deste documento foram publicados no
Brasil: "Teses de Blum (Extrato). A ditadura democrática", Temas
de ciências humanas, São Paulo, n. 7, 1980.
16 A ruptura de toda aliança com os
socialdemocratas, nesta perspectiva, tornou-se inevitável, uma vez que a
socialdemocracia fora identificada como "irmã gêmea do fascismo". O
caráter absolutamente irrealista e suicida desta política, que contribuiu para
facilitar a ascensão do fascismo na Alemanha, é flagrante na apreciação que E.
Thaelmann, principal dirigente comunista alemão à época, formulava da resposta
à manifestação nazista de 22 de janeiro de 1933, realizada pelas tropas de
assalto diante da Karl Liebknecht Haus: "O 22 de janeiro desenvolveu-se
sob o signo de uma viragem das forças de classe em favor da revolução
proletária" (apud Annie Kriegel, cit., p. 111). A apreciação de Thaelmann
é de 1º de fevereiro; mas, a 30 de janeiro, já Hitler fora investido por
Hindenburg no cargo de chanceler...
17 Ver as intervenções de Dimitrov no referido
Congresso em G. Dimitrov, Obras escolhidas em três volumes, Sófia,
Sófia-Press, 1982, v. 2, p. 22-135.
18 Sobre esta autocrítica, quase quatro décadas
depois Lukács esclareceu: "Quando soube de fontes confiáveis que Béla Kun
preparava a minha exclusão do partido na condição de "liquidador",
decidi renunciar a prosseguir a luta, pois sabia da influência de Kun na
Internacional, e publiquei uma ' autocrítica'. Embora naquela época eu
estivesse profundamente convencido de estar defendendo um ponto de vista
correto, sabia também – pelo destino de Karl Korsch, por exemplo – que a
exclusão do Partido significava a impossibilidade de participar ativamente da
luta contra o fascismo iminente. Como ' bilhete de entrada' para tal atividade,
redigi esta autocrítica, já que, sob tais circunstâncias, eu não podia e não
queria mais trabalhar no movimento húngaro. Era evidente que esta autocrítica
não podia ser levada a sério: a mudança da opinião fundamental que sustentava
as teses [...] passou a ser doravante o fio condutor para minha atividade
teórica e prática". Ver "Prefácio" (1967) em História e
consciência de classe, São Paulo, Martins Fontes, 2003, p. 36-37.
19 Ibid., p. 37.
20 Quanto a isto, são emblemáticos os seus ensaios,
de 1932, Tendência ou partidarismo?, Reportagem ou configuração? Observações
críticas a propósito do romance de Ottwalt e Da necessidade, virtude. Esta
linha de crítica terá prosseguimento nas polêmicas que envolverão, até 1938, a
intelectualidade alemã exilada na União Soviética, como o comprovam as intervenções
de Lukács nos periódicos Das Wort (A palavra) e Internationale Literatur
(Literatura Internacional). Ver, sobre este ponto, Carlos Eduardo Jordão
Machado, Um capítulo da história da modernidade estética: debate sobre o
expressionismo, São Paulo, UNESP, 1998.
21 A nosso juízo, a relação do último, a relação do
último Lukács com a figura de Lenin (e poder-se-ia pesquisar sua similitude com
a relação do Hegel posterior a 1805 com a figura de Napoleão) está marcada por
uma forte idealização do máximo dirigente bolchevique, com implicações que
comprometem a análise política que o velho Lukács realiza dos rumos tomados
pela revolução de outubro.
22 Em 1941, Lukács foi preso pela polícia política
stalinista e só foi libertado, após alguns meses, graças aos empenhos de G.
Dimitrov, então o mais alto dirigente da Internacional Comunista (ver I.
Mészáros, Lukács' concept of dialetic, Londres, Merlin Press, 1972, p.
142); esta prisão é também referida por M. Löwy, A evolução política de
Lukács: 1909-1929, cit., p. 244-245) e por Tibor Szabó, György Lukács.
Filosofo autônomo (Nápoles, La Cittá Del Sole, 2005, p. 51), que recorda
que ingualmente seu enteado (Ferenc Jánossy) esteve nos cárceres stalinistas.
23 São exemplos bastantes, ademais da obra sobre
Hegel (concluída em 1938 e publicada dez anos depois) e dos textos reunidos nos
Escritos dos Moscou, dentre outros, os ensaios A fisionomia intelectual dos
personagens artísticos (1936), Tribuno do povo ou burocrata (1940), Progresso
e reação na literatura alemã e A literatura alemã na era do imperialismo
(ambos de 1944-1945, reunidos depois num volume sob o título geral de Breve
história da literatura alemã).
24 Um exemplo emblemático dos procedimentos
lukacsianos diante de Stalin aparece na entrada dos anos 1950. Em 20 de junho
de 1950, o secretário-geral publicou, no Pravda, um longo artigo "O
marxismo e os problemas da linguística" em que criticava as teses do
linguista N. J. Marr. (Sobre o contexto imediato em que Stalin preparou o
citado artigo, ver o cap. 10 de Z. A. Medvedev, Um Stalin desconhecido,
Rio de Janeiro, Record, 2006.) Pois bem: cerca de um ano depois (29 de junho de
1951), Lukács pronunciou na Academia de Ciências da Hungria a conferência
"Arte e literatura com superestrutura", na qual, após render
homenagens formais ao texto de Stalin, realiza uma "interpretação" do
seu pensamento que é, de fato, uma refutação das suas teses.
25 Uma larga bibliografia trata da relação entre
Lukács e o stalinismo; a título meramente ilustrativo, ver George Lichtheim,
"Lukács and stalinism", New Left Review, Londres, n. 91, 1975;
Michael Löwy, "Lukács and stalinism", em Gareth Stedman Jones ET AL.,
Western marxism. A critical reader, Londres, Verso, 1978 (com
modificações, este ensaio foi concluído em Michael Löwy, A evolução política
de Lukács, cit.); José Paulo Netto, "Lukács e a problemática cultural
da era stalinista", "Temas de ciências humanas, São Paulo, n. 6,
1979; Alberto Scarpono, "Lukács critico dello stalinismo". Critica
marxista, Roma, v.17, n. 1, gennaio-febbraio 1979; Cliff Slaughter,
Marxismo, ideologia e literatuta, Rio de Janeiro, Zahar, 1983, cap. 4; Eugene
Lunn, Marxism and modernism. An historical study of Lukács, Brecht,
Benjamin and Adorno, Bekerley, University of Califérnia press, 1982; Nicolas
Tertulian, "G. Lukács e o stalinismo", Práxis, Belo Horizonte, n. 2,
set. 1994); I. Mészáros, Para além do capital. Rumo a uma teoria da
transição, São Paulo/Campinas, Boitempo/UNICAMP, 2002; Arpad Kadarkay,
Georg Lukács. Life, thoughs and politics, Cambridge, Mass., Basil Blackwell,
1991. Num pequeno texto de Nicolas Tertulian, "Lukács hoje" (em M. O.
Pinassi e Sérgio Lessa, org., Lukács e a atualidade do marxismo, São Paulo,
Boitempo, 2002), também se encontram referências significativas sobre a relação
aqui sinalizada.
26 Algumas apontadas em textos indicados na nota
anterior e outras indicadas e diferencialmente problematizadas, por exemplo, em
Marzio Vacatello, Lukács. Da Storia e coscienza di classe al giudizio sulla
cultura borghese, Florença, La nuova Itália, 1968; G. H. R. Parkinson,
org., Georg Lukács. El hombre, su obra, sus ideas, Barcelona, Grijalbo,
1972; Ernst Bloch ET AL., Aesthetics and politics, London, Verso, 1980;
Francisco Posada, Lukács, Brecht e a situação atual do realismo socialista,
Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1970; Giuseppe Bedeschi, Introduzione
a Lukács, Roma/Bári, Laterza, 1970; Helga Gallas, Teoria marxista de la
literatura, México, Siglo XXI, 1977; Fredric Jameson, Marxismo e forma.
Teorias dialéticas da literatura no século XX, São Paulo: Hucitec, 1985:
George Steiner, Linguagem e silêncio: ensaios sobre a crise da palavra,
São Paulo, Companhia das Letras, 1988; Terry Eagleton, A ideologia da
estética, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1993; Eva L. Corredor, org., Likács
after communism. Interviews with contemporary intellectuals, Durham/London,
Duke University Press, 1997; Celso Frederico, Marx, Lukács: a arte na
perspectiva ontológica, Natal, EDUFRN, 2005; Carlos Nelson Coutinho, Lukács,
Proust e Kafka. Literatura e sociedade no século XX, Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 2005. Críticas às concepções estéticas desenvolvidas
por Lukács a partir dos anos 1930 encontram-se também em Galvano della Volpe,
Crítica do gosto, Lisboa, Estampa, s.d., e em Theodor W. Adorno, Teoria
estética, Lisboa, Edições 70, 1988.
27 Para além do debate frequentemente genérico e
equivocado acerca do (ou não) "stalinismo político" de Lukács, neste
âmbito a investigação que aqui se faz necessária ainda é muito pouco
substantiva; ademais de dois dos textos citados na nota 25 – o de Löwy,
cuidadoso e sério; o de Slaughter, bilioso - o ensaio de Marco Macciò,
"Las posiciones teóricas y políticas Del último Lukács" (Cuadernos
de pasado y presente, Códoba, n. 16, sept. 1970) e o artigo muito ruim de
François Fejtö, "György Lukács et la politique" (Esprit,
Paris, n. 106, oct. 1985) mostram o quanto são quase inexistentes estudos
detalhados. Mesmo no que se refere à relação teórica entre as concepções gerais
do último Lukács (filosóficas e políticas) e sua opção prático-política, um
debate mais denso ainda não se realizou, embora já haja contribuições iniciais
que merecem citação (como é o caso das contidas no livro de I. Mészáros
referido na nora 25), inclusive no Brasil; vale referir as intervenções de fato
colidentes, de Carlos Nelson Coutinho, no ensaio "Lukács, a ontologia e a
política", cit., e de Sérgio Lessa, "Lukács: direito e
política", recolhido em Maria Orlanda Pinassi e Sérgio Lessa (org.),
também citado na nota 25; Sérgio Lessa, aliás, em um opúsculo mais recente (Lukács.
Ética e política, Chapecó, Argos/Editora Universitária, 2007) reorienta
muito problematicamente a sua análise anterior.
28 Ver "As tarefas da filosofia marxista na
nova democracia", em G. Lukács, O jovem Marx e outros escritos de
filosofia, cit., p. 55 e ss.
29 Lukács mesmo reconheceu esta conexão. Comentando
a insinceridade da autocrítica a que se submeteu em 1929, quando da derrota das
Teses de Blum, escreveu, como se via na nota 18: "Era evidente que esta
autocrítica não podia ser levada a sério: a mudança da opinião fundamental que
sustentava as teses [...] passou a ser doravante o fio condutor para minha
atividade teórica e prática"
30 Sobre os personagens aqui referidos, ver, infra,
as notas 11, 15 e 4 e do texto "Para além Stalin", O
"processo" contra Lukács foi notavelmente narrado por I. Mészáros no
seu artigo "El debate sobre Lukács y sus consecuencias: Révai y El
zdanovismo", coligido em G. Steiner ET AL., Lukács, Buenos Aires, Jorge
Alvarez, 1969; ver também M. Merlau-Ponty, As aventuras da dialética,
São Paulo, Martins Fontes, 2006. Para uma reconstrução do clima do "ano da
mudança", não só na Hungria, cf. Fernando Claudín, A crise do movimento
comunista, São Paulo, Global, 1986, v. 2, p. 511 e ss.
31 Sobre Rudas, ver, infra, a nota 13 do texto
"Para além Stalin". Joseph Révai (1898-1959), publicista, antigo
companheiro de lutas de Lukács, exilado durante as duas guerras, tornou-se o
principal ideólogo do regime de Rakosi, sendo ministro da Cultura de 1949 a
1953; suas acusações a Lukács encontram-se em seu livro La littérature et la
démocratie populaire: à propos de Georges Lukács, Paris, La Nouvelle
Critique, 1950. Joseph Darvas (1913-1973), romancista, ocupou cargos
ministeriais no regime de Rakoi. Marton Horváth (1906-1987) foi membro do
Comitê Central do Partido húngaro de 1944 a 1956 e, na primeira metade dos anos
1950, seu responsável por agiação e propaganda.
32 G. Lukács, Pensamento vivido, cit., p. 117.
Recorde-se que, em 28 de junho de 1948, o Centro de Informação dos partidos
Comunistas (Komminform) divulgou a "condenação" da direção comunista
iugoslava, liderada por Tito (Josip Broz, 1892-1980).
33 Escrevendo em 1967, Lukács afirmava ser esta sua
autocrítica "inteiramente formal", fato aliás denunciado por seus
oponentes (J. Révai, M. Horváth): ver o seu prefácio a Arte e societá,
Roma, Riuniti, 1977, v. 1, p. 19. Mas admitindo, anos depois, que fez
excessivas concessões nesta autocrítica, o velho filósofo acrescentou:
"Como justificação posso dizer que, se Rajk foi executado na Hungria, não
se podia ter uma garantia séria de que, no caso de haver oposição, não nos
poderia acontecer coisa semelhante" (Lukács, Pensamento vivido,
cit., p. 117). N. Tertulian, no texto já citado na nota 25, "Lukács
hoje", reproduz o comentário de Lukács a um interlocutor em 1962,
referindo-se à sua atitude em face dos debates de 1949/1950: "Se naquela
época eu não tivesse feito a minha autocrítica, estaria agora num túmulo sendo
venerado. [...] Eu teria sido enforcado e logo em seguida reabilitado com todas
as honras".
34 Sobre a insurreição húngara de 1956, ver, para
interpretações muito diferenciadas, I. Mészáros, La rivolta degli
intellectuali in Ungheria, Turim, Einaudi, 1958; François Fejtö, La
tragédie hongroise, Paris, Pierre Horay, 1958; Tamás Aczél e Tibor Méray, The
revolt of the mind: a case history of intellectual resistance behind de Iron
Curtain, Londres, Thames & Hudson, 1960; Jean-Paul Sartre, O
fantasma de Stalin, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1967; Fernando Claudín, A
oposição no "socialismo real". União Soviética, Hungria,
Polônia, Tcheco-Eslováquia 1953-1980, Rio de Janeiro, Marco Zero, 1983.
35 Kostas Papaionnou, Marx et les marxistes,
Paris, Flammarion, 1972, p. 17.
36 Fernando Claudín, cit., p. 163-164.
37 Tibor Déry (1894-1979), figura exponencial da
literatura húngara, condenado à prisão em 1957 e anistiado em 1960. Sobre
Illiés, ver, infra, nota 43 do texto Testamento político. István
Mészáros (1930), discípulo de Lukács, emigrou na sequencia dos eventos de 1956,
radicando-se na Inglaterra; muitas de suas obras foram publicadas no Brasil.
38 Sobre tais eventos, ver as evocações do filósofo
em G. Lukács, Pensamento vivido, cit., p. 131-137, 168-169.
39 Saldo da luta: "aproximadamente 2.000
mortos e 13.000 feridos em Budapeste, 700 mortos e 1.500 feridos no resto do
país. Foram encarcerados milhares de combatentes, em sua maioria operários
jovens. A imprensa húngara informou, nos meses seguintes, sobre até 105
execuções" (F. Claudín, A oposição no "socialismo real",
cit., p.162).
40 K. Axelos, "Prefácio" a G. Likács, Histoire
et conscience de classe. Essais de dialectique marxiste, Paris, Minuit,
1965, p.3.
41 Lukács só é readmitido no Partido em 1967.
42 Parte do material dessa campanha foi publicada
em português: de Béla Fogarasi (1891-1959, filósofo antes próximo a Lukács), o
artigo "As concepções filosóficas de Georg Lukács" (divulgado na
edição em português da revista internacional patrocinada pela União Soviética, Problemas
das Paz e do Socialismo, n. 4, 1959), e de Joseph Szigeti (nascido em 1921,
ex-aluno de Lukács), "Relação entre as ideias políticas e filosóficas de
Lukács" (Estudos Sociais, Rio de Janeiro, n. 5, 1959). De fato, a
campanha contra Lukács esgota-se na entrada dos anos 1960.
43 Ver Pensamento vivido, cit., p. 169.
44 Lukács considerava que o stalinismo, ao promover
a paralisia do pensamento marxista, respondia também pela ausência de uma
crítica substantiva ao capitalismo contemporâneo – crítica que deveria
enfatizar o seu caráter manupilatório. Na exigência de um "renascimento do
marxismo", Lukács chegava a exagerar, afirmando que a última pesquisa
criativa sobre o capitalismo era o livro de Lenin sobre O imperialismo (1916)
e insistia na necessidade de se escrever um O capital do século XX.
45 Ver G. Lukács, "The
twin crises", New Left Review, Londres, n. 60, 1970.
46 Sobre esta "escola" (Agnes Heller,
Férenc Féher, G. e M. Markus, M. Vajda), ver o prefácio de Jean-Michel Palmier
a Agnes Heller, La théorie des besoins chez Marx, Paris, UGE-10/18,
1978; depois da morte de Lukács, este grupo transitou para posições teóricas e
ideológicas antagônicas às de Lukács. É preciso não identificar esta
"Escola de Budapeste" com o que outros estudiosos vêm designando como
"escola de Lukács" : cf. Tibor Szabó, György Lukács. Filosofo
autonomo, cit., p. 225-238.
47 É também o período em que suas ideias ganham
crescente difusão no Ocidente, com o início da publicação de sua obra completa
pela editora alemã-ocidental Luchterhand e a ampla repercussão de versões de
seus textos em italiano, inglês e castelhano. Nos finais dos anos 1960, sua
ativa participação na campanha internacional em defesa da comunista
norte-americana Angela Davis (nascida em 1944), torna-o ainda mais conhecido.
48 Sobre os eventos na Tchecoslováquia, ver, entre
outros: Roger Garaudy, La liberte em sursis: Prague, 1968, Paris,
Fayard, 1968; " L'intervention em Tchecoslovaquie, pourquoi?" ,
Cahiers Rouge, Paris, n. 5, 1969; Pierre Broué, A primavera dos povos começa
em Praga, São Paulo, Kairís, 1979; Fernando Claudín, A oposição no
"socialismo real", cit.
49 M. Löwy, no texto já citado (A evolução política
de Lukács, p. 252), anotou: "Jovens estudantes revolucionários da Europa
Ocidental, que visitavam Lukács por volta de setembro de 1968, ficaram
espantados com a severidade da sua crítica quanto à URSS e, por outro lado, seu
interesse profundo pelos acontecimentos de maio na França. Lukács compreendia a
relação dialética entre as duas crises, a do stalinisno e a do mundo
burguês".
50 M. Löwy, cit., p.254; daí extraímos a frase de
Lukács citada pouco antes.
51 É notável o fato de Lukács, reconhecendo
expressamente a necessidade de análises capazes de aprender os traços
contemporâneos da ordem capitalista, pensar as transformações próprias à
auto-reforma do socialismo – elas igualmente contemporâneas – com as categorias
leninianas, sem submetê-las a qualquer atualização e/ou crítica.
52 Afirmação que, também ela, pode prestar-se a
mal-entendidos: ver os apontamentos de N. Tertulian, no artigo citado na nota
25 (p. 30-32).
[LUKÁCS, György. Socialismo e democracia: escritos
políticops 1956-1971. Organização, introdução e tradução Carlos Nelson Coutinho
e José Paulo Neto. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008, p. 7-31]
Cronologia da vida e da obra de Lukács
1885 Nasce em Budapeste, a 13 de abril, segundo filho
de Józef von Luács e Adél Wertheimer.
1902 Ingressa na Universidade de Budapeste, publica
seus primeiros textos na imprensa húngara e frequenta reuniões do "Círculo
de Estudantes Socialistas Revolucionários", criados por Erwin Szabó.
1904 É um dos fundadores do grupo teatral Thalia.
1906 Doutora-se em direito pela Universidade de
Budapeste. Colabora com a revista progressista húngara Huszadik Század
(Século XX). A leitura dos Uj Versek (Novos poemas), de Endre Ady,
impressiona-o profundamente.
1908 Recebe, pelo seu texto ainda inédito História
do desenvolvimento do drama moderno, o Prêmio Kristina, da Sociedade
Kisfaluddy. Torna-se colaborador da revista Nyugat (Ocidente).
1909 Trava relações com Endre Ady e torna-se amigo de
Béla Balázs, a cuja obra poética dedica um livro. Tem um tumultuado
relacionamento amoroso com Irma Seidler, que se suicida algum tempo depois.
Dedica a esta trágica experiência um ensaio intitulado "Sobre a pobreza do
espírito". Doutora-se em Filosofia pela Universidade de Budapeste.
1910 Viagens à Alemanha, França e Itália. Trava
relações com Georg Simmel e conhece Ernst Bloch.
1911 Publica a História do desenvolvimento do drama
moderno e, também em alemão, A alma e as formas. É um dos fundadores da
revista Szellem (Espírito).
1912 Vive em Florença. Por sugestão de E. Bloch,
transfere-se para Heidelberg.
1913-1915 Em Heidelberg, relaciona-se com Ferdinand Tönnies,
Max Weber e Emil Lask. Estuda a obra de Hegel. Trabalha numa Estética,
que deixou inconclusa e só foi publicada postumamente; projeta um livro sobre
Dostoiévski. Conhece sua primeira mulher, Ieliena A. Grabenko. Publica
Cultura estética (1913).
1916 Publica, em revista especializada, A teoria do
romance.
1917 Em Budapeste, anima o "Circulo
Dominical", frequentado por Béla Fogarasi, Arnold Hauser, Karl Mannheim e
Eugene Varga. Publica A relação sujeito-objeto na estética. Recebe com
entusiasmo as primeiras notícias sobre a Revolução Bolchevique.
1918 Retoma o exame de Marx (que conhecia desde a
preparação de História do desenvolvimento do drama moderno) e, sob a
influência de E. Szabó, lê Rosa Luxemburg e Georges Sorel. Publica o ensaio
"O bolchevismno como problema moral". A 2 de dezembro, ingressa no
Partido Comunista.
1919 Com a queda da monarquia dos Habsburgos e a
proclamação, em março, da República Soviética da Hungria, torna-se
Vice-Comissário do Povo para a Cultura e a Educação Popular. Após a derrota da
república, em agosto, sob a violenta repressão de Horthy, é um dos dirigentes
clandestinos do Partido Comunista. Em setembro, exila-se na Áustria. Condenado
à morte pelo regime de Horthy, é preso em Viena, em outubro; sua extradição é
evitada graças à mobilização de intelectuais alemães. Publica Tática e ética,
seu primeiro livro de inspiração marxista.
1920 Torna-se co-editor de Kommunismus
(Comunismo), órgão teórico da Internacional Comunista. Casa-se com a
companheira de sua vida, Gertrud Bortstieber, viúva do matemático Imre Jánossy.
Sob a forma de livro, publica A teoria do romance.
1921 Na luta interna que se trava no Partido húngaro,
alinha-se com a fração de Jeno Landler, opositor de Béla Kun; representando
esta fração, participa, em Moscou, do III Congresso da Internacional Comunista.
1922 Aprofunda seus estudos sobre Marx e começa
sistematicamente a leitura de Lenin.
1923 Publica História e consciência de classe. Estudos
sobre a dialética materialista, coletãnea de textos escritos depois de sua
adesão ao comunismo.
1924 História e consciência de classe recebe as
primeiras críticas nas instâncias oficiais do movimento comunista. Publica Lenin:
a coerência de seu pensamento.
1926 Publica Moses Hess e o problema da dialética
idealista.
1928 Com a morte de J. Lander, assume a liderança da
corrente anti-Béla Kun no interior do partido húngaro. Prepara documentos para
o II Congresso do Partido.
1929 Clandestino, permanece três meses na Hungria, em
tarefas partidárias. Apresenta, no II Congresso do Partido, as "Teses de
Blum" (Blum era o seu nome na clandestinidade); derrotado e ameaçado de
expulsão, faz autocrítica e afasta-se de atividades diretamente políticas por
quase três décadas.
1930-1931 Vai para Moscou, onde pesquisa no Instituto Marx-Engels-Lenin,
então dirigido por David Riazanov. Conhece os ainda inéditos Manuscritos
econômico-filosóficos de 1844, de Marx. Estabelece relações com Mikgail A.
Lifschitz, a quem dedicará mais tarde, "com veneração e amizade", o
seu O jovem Hegel.
1931-1933 Vive semiclandestino em Berlim (sob o
pseudônimo de Keller). Tem ativa intervenção na revista Die Linkskurve (Giro à
esquerda), órgão da Federação de Escritores Proletários Revolucionários,
vinculada ao Partido Comunista alemão. São deste período ensaios que discutem a
relação entre realismo e "literatura proletária", tais como
"Tendência ou partidarismo" e "Reportagem ou configuração".
1933-1940 Regressando a Moscou, desenvolve intensa atividade
intelectual, de que resultam inúmeros ensaios, entre os quais: "Friedrich
Engels, teórico e crítico da literatura", "Tolstoi e a evolução do
realismo" e "Heinrich Heine como poetra nacional" (1935),
"A fisionomia intelectual dos personagens artísticos", "A
comédia humana da Rússia pré-revolucionária" e "A tragédia de
Heinrich von Kleist" (1936), "O escritor e o crítico" (1939),
"Tribuno do povo ou burocrata" (1940), quase todos pósteriormente
coletados em livros. Torna-se membro do Instituto Filosófico da Academia de
Ciências da União Soviética e do conselho editorial de várias revistas
culturais. Em 1937-1938, é figura cemtral nos debates em que se envolve a
intelectualidade exilada (Ernst Bloch, Bertolt Brecht e Anna Seghers), nos
quais critica o expressionismo alemão e insiste na defesa de uma literatura
capaz de assimilar a herança cultural do realismo crítico burguês. Começa a
pesquisar as relações entre o irracionalismo filosófico e o fascismo. Publica O
romance histórico, em 1937, e, um ano depois, conclui seu estudo sobre O
jovem Hegel, publicado em 1948.
1941-1944 Em 1941, a polícia política stalinista o prende,
sob o falso pretexto de, nos anos 1920, ter sido trotskista; é libertado graças
ao empenho de seu amigo de joventude Eugene Varga (que se tornara importante
economista na União Soviética) junto a Gueorgui Dimitrov, então dirigente
máximo da Internacional Comunista.
1945-1949 Retorna à Hungria libertada e empenha-se na
construção da nova democracia: participa do Conselho Nacional da Frente Popular
Patriótica, da direção da Academia de Ciências da Hungria, assume a cátedra de
Estética e Filosofia da Cultura na Universidade de Budapeste e funda a revista
cultural Forum. Realiza várias viagens à Europa Ocidental, participando de
encontros internacionais, seminários e colóquios. Recebe o Prêmio Kossuth e é
membro fundador do Conselho Mundial da Paz. Em 1948, na Suíça, publica seu
estudo sobre O jovem Hegel. No Partido e no Estato húngaros,
polarizam-se posições ideológicas, com a vitória da corrente ligada a Rakosi,
expressão local do dogmatismo stalinista; desta vitória resulta a execução do
líder da corrente opositora, Rajk. Publica, em 1947, Goethe e seu tempo
e Crise da filosofia burguesa (que, na tradução francesa parcial, terá o
título de Existencialismo ou marxismo?).
1949-1951 Reflexo da vitória de Rakosi, abre-se a
"questão Lukács": a intelectualidade oficial ? L. Rudas, o
ex-discípulo J. Révai, M. Horwath, J. Darvas ? critica injuriosamente a sua
obra. A revista Forum é fechada e a campanha contra ele se desenvilve também na
União Soviética (com o romancista Alexander Fadeiev reclamando até a adoção de
medidas adminstrativas). Pressionado, faz nova autocrítica ? considerada por
Révai como "meramente formal" e por ele próprio, em declarações
posteriores, como "cínica" ? e é obrigado a retrair-se à vida
privada. Publica O realismo russo na literatura universal, Thomas Mann
(1940) e Realistas alemães do século XIX (1951).
1952 Publica Balzac e o realismo francês.
1954 Publica A destruição da razão e Contribuições à
história da estética.
1956 Na sequência do XX Congresso do Partido Comunista
da União Soviética, os Estados socialistas experimentam um período de
efervescência política, aflorando as aspirações democráticas, particularmente
fortes na Hungria. Volta à cena pública, em junho, com a conferência "A
luta entre o progresso e a reação na cultura contemporânea", pronunciada
no "Círculo Petöfi", e com a criação (juntamente com Tibor Déry,
Gyula Illés e István Mészáros) da revista Eszmélet (Tomada de consciência). Em
meio a enorme mobilização popular, o Partido húngaro entra em crise aberta e
Rakosi cai. A 23 de outubro, constitui-se um novo ministério, liderado por Imre
Nágy, disposto a democratizar o país, ao mesmo tempo em que se cria um comitê
para a refundação do Partido; no governo Nágy, assume o Ministério da Cultura;
participa da comissão encarregada de dar nova forma à organização partidária.
Opõe-se à proposta de saída da Hungria do Pacto de Varsóvia, bem como ao apelo
de Nágy à intervenção da ONU. A crise tem seu desfecho na brutal invasão soviética
e obriga-o a asilar-se na embaixada da Iugoslávia. É deportado para a Romênia,
onde permanece prisioneiro.
1957-1961 Obtém permissão para regressar a Budapeste. É-lhe
exigida nova autocrítica; ante sua recusa, consuma-se a perda da cátedra
universitária; não é admitido no Partido refundado e nova campanha de
descrédito (iniciada por Joseph Szigéti e engrossada por Bela Fogarasi) é
organizada contra ele. Em 1957, publica na Itália os Prolegômenos a uma
estética marxista e A significação presente do realismo crítico. Até
seu retorno ao Partido húngaro, ocorrido em 1967, sues livros deixam de ser
publicados na Alemanha Oriental e passam a sê-lo na Alemanha Ocidental.
1962 A revista italiana Nuovi Argomenti divulga
a sua "Carta sobre o stalinismo". Na Alemanha Ocidental, a editora
Luchterhand anuncia a publicação das suas Obras completas. Conclui a
primeira parte da sua Estética e anuncia sua pretensão de escrever uma Ética.
1963 Pela Luchterhand, sai a primeira parte (a única
que redigiu) de sua estética, com o título Estética I: A peculiaridade do
estético. Em abril, morre Gertud Bortstieber, sua mulher. Publica o ensaio
"Sobre o debate entre a China e a União Soviética", onde toma posição
a favor da política de paz da direção kruscheviana da União Soviética.
1964 São-lhe feitos os últimos ataques pela
intelectualidade oficial húngara. Publica o ensaio "Problemas da
coexistência cultural".
1966 Concede a Hans Heinz Holz, Leo Kpfler e Wolfgang
Abendroth uma longa entrevista, publicada em livro, na Alemanha ocidental, sob
o título Conversando com Lukács. Decide, antes de empreender a redação
da Ética (projeto nunca concluído), elaborar um texto introdutório sobre
a Ontologia do ser social, que se autonomizaria, adquirindo grandes dimensões e
sendo publicado só postumamente. A editora Grijalbo, com sede na Espanha e no
México, inicia, com a Estética I, a edição em castelhano das suas Obras
completas, a qual, depois de vários volumes, restará inconclusa.
1967 Autoriza, pela primeira vez, uma reedição de
História e consciência de classe, como parte do volume III de suas Werke,
para o qual escreve um longo prefácio. A seu pedido, é reintegrado no Partido
húngaro. Com isso, volta a possibilidade de ser publicado em seu país. Prepara
uma densa antologia de seus escritos sobre arte, de 1910 até os anos 1960,
publicada três anos depois em húngaro sob o título Arte e sociedade.
1968 Critica, no interior do Partido húngaro, a
intervenção das tropas do Pacto de Varsóvia na Tchecoslováquia, mas evita
tornar pública sua posição. Com a primeira redação da Ontologia do ser social
praticamente concluída, dedica-se a um ensaio sobre a questão da democracia,
que pretendia publicar na Itália, por Riuniti, editora então ligada ao Partido
Comunista Italiano. Concluído o ensaio, Lukács submeteu o texto à direção do
Partido húngaro, que lhe pediu que esperasse dez anos para publicá-lo. O
ensaio, com o título Democratização ontem e hoje, só foi publicado no
original alemão em 1985, quase quinze anos após sua redação. Conheceu depois
edições em diferentes línguas (italiano, francês, inglês).
1969 Recebe o título de doctor honoris causa da
Universidade de Zagreb.
1969-1970 O grupo intelectual que lhe era próximo, mas que
depois romperia com sua orientação (a então chamada "escola de Budapeste":
Agnes Heller, Ferenc Fehér, György Márkus e Mihály Ajda), faz uma série de
críticas ao manuscrito original da Ontologia do ser social. Embora sem aceitar
tais críticas, mas insatisfeito com alguns aspectos deste original, inicia a
redação de um novo manuscrito para clarificar algumas de suas posições. Tal
como o primeiro, também este segundo manuscrito só será publicado postumamente,
com o título Prolegômenos a uma ontologia do ser social. Questões de
princípio de uma ontologia hoje tornada possível. Na literatura kukacsiana,
os dois manuscritos passaram a ser conhecidos, respectivamente, como
"grande" e "pequena" ontologia.
1970 Recebe o título de doctor honoris causa da
Universidade de Ghent e o Prêmio Goethe. Publica o livro Soljenitsin, no
qual assume claramente a defesa do escritor contra os seus opositores
soviéticos.
1971 A 4 de junho, em consequência de um câncer
pulmonar, falece em Budapeste. Pouco antes, já consciente do caráter terminal
de sua doença, escreve alguns apontamentos autobiográficos e concede uma longa
entrevista a István Éorsi, na qual explicita os temas sugeridos nestes
apontamentos. Estes últimos e a entrevista foram publicados, em 1980, com o
título Pensamento vivido. Autobiografia em forma de diálogo.
1973 É encontrado em Heldelberg um conjunto de cerca de
1.650 cartas, parte da sua correspondência entre 1900 e 1917. Muitas delas
foram publicadas mais tarde, em diferentes línguas, com o título Correspondência
de juventude 1908-1917.
1974 Divulgam-se, pela primeira vez no Ocidente, alguns
rensaios sobre questões de teoria literária, que redigiu em Moscou entre 1933 e
1944. Na edição francesa, tais ensaios formam um livro intitulado precisamente Escritos
de Moscou.
1976-1986 Os dois volumes de Para a ontologia do ser
social são publicados na Itália, respectivamente em 1976 e 1981. Somente em
1986, como volumes 13 e 14 de suas Werke, a obra aparece no original
alemão, precedida da chamada "pequena Ontologia", que será também
publicada em italiano em 1990. Há ainda uma edição húngara integral das duas
"ontologias".
[LUKÁCS, György. O jovem Marx e outros escritos
de filosofia. Organização, apresentação e tradução Carlos Nelson Coutinho e
José Paulo Neto. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009, p. 15-23]
Fonte: PCB.
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