Fonte: MPT |
Graça Druck
"A proteção social e a garantia dos
direitos através da legislação e das instituições que operam o direito do
trabalho são, mais do que nunca, indispensáveis nos dias atuais”, constata a
socióloga.
Confira a entrevista.
“É difícil encontrar algum aspecto positivo” no Acordo
Coletivo de Trabalho com Propósito Específico, proposto pelo Sindicato
dos Metalúrgicos do ABC, e que estabelece a possibilidade de
negociação entre os sindicatos e as empresas, avalia Graça Druck,
em entrevista concedida à IHU On-Line. Depois de analisar
a proposta do acordo, a especialista em sociologia do trabalho assegura que a
“iniciativa reflete uma proposição sindical que se pauta numa compreensão
política na relação capital/trabalho no Brasil de hoje, que se junta à voz
empresarial a respeito do que significa ‘modernizar as relações de trabalho’”.
E reitera: “Por trás dessa modernização, sempre vista como algo positivo, o que
já denota incompreensões, está um profundo processo de precarização do trabalho
no mundo e em nosso país”.
Na entrevista a seguir, concedida por
e-mail, Graça Druck enfatiza que o Acordo
Coletivo de Trabalho com Propósito Específico é “a negação dos
direitos trabalhistas conquistados pelos trabalhadores brasileiros e
incorporados na CLT”. Em sua avaliação, a argumentação de que um acordo
flexível entre empresas e sindicatos “sustenta-se nas transformações do
trabalho nas últimas décadas (...), faz uma avaliação apologética dessas
mudanças que estão sob o signo do neoliberalismo, da reestruturação produtiva e
da perversa financeirização da economia que só tem destruído empregos e postos
de trabalho”.
Apesar das fragmentações nacionais e da crise do
movimento sindical, a pesquisadora assinala que iniciativas, como a dos Indignados na Europa e do Occupy Wall Street nos
EUA, representam uma mudança no movimento social e sindical. “Talvez o grande
desafio para o movimento sindical brasileiro e no mundo esteja em compreender a
natureza dessas lutas contra a crise e o lugar dos sindicatos nesse processo”.
E dispara: “É necessário repensar essa relação na perspectiva de ‘politizar’ a luta sindical, isto é, de sair da defesa
corporativa, da luta estrita por reivindicações econômicas e avançar numa luta
social e anticapitalista, como indicam os movimentos contra a crise mundial. É
preciso pensar, portanto, numa organização horizontalizada, constituindo redes
de contrapoderes que rompam com a cultura sindical hegemônica sustentada na
separação, na divisão, no fracionamento, na individualização que o
corporativismo criou, colocando em risco os direitos trabalhistas
conquistados”.
Graça Druck é doutora em
Ciências Sociais pela Universidade de Campinas – Unicamp, com pós-doutorado na
Universidade de Paris XIII, França. Leciona Sociologia na Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – De forma discreta e pouco
comentada, avança a criação de uma figura nova na legislação trabalhista
denominada Acordo Coletivo Especial – ACE. A senhora poderia explicar do que se
trata essa iniciativa?
Graça Druck – Tomei conhecimento
dessa proposta em abril deste ano, através do Centro de Pesquisa e
Apoio aos Trabalhadores – CEPAT quando li a conjuntura da semana, que faz uma análise de conjuntura a
partir de um clipping de notícias de jornais que recebo por e-mail. E,
sinceramente, não entendi e pensei que havia algum equívoco na notícia
veiculada. Então fui pesquisar através dos sites de busca e encontrei a própria
proposta desse Acordo Coletivo Especial – ACE no site do
Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, na forma de cartilha, com uma análise sobre
as transformações do trabalho e dos sindicatos no Brasil, especialmente
referenciada na experiência do próprio sindicato com os comitês sindicais de
empresas e de uma estratégia de atuação que se reivindica de iniciativas de
natureza tripartite, como foi o caso da câmara setorial da indústria automotiva
no início dos anos 1990, durante o governo Collor de Mello.
Pois bem, trata-se de um anteprojeto de lei, denominado de Acordo
Coletivo de Trabalho com Propósito Específico, que estabelece a
possibilidade de acordo entre um sindicato profissional e uma empresa a partir
de negociação entre estes.
IHU On-Line – O que há de positivo na
iniciativa e o que há de problemático?
Graça Druck – É difícil
encontrar algum aspecto positivo. Essa iniciativa reflete uma proposição
sindical que se pauta numa compreensão política na relação capital/trabalho no Brasil
de hoje, que se junta à voz empresarial a respeito do que significa “modernizar
as relações de trabalho”. Por trás dessa modernização, sempre vista como algo
positivo – o que já denota incompreensões –, está um profundo processo de
precarização do trabalho no mundo e em nosso país. Em meus estudos, com base na
literatura brasileira e estrangeira e em pesquisas empíricas realizadas por
nosso grupo de pesquisa na UFBA, a precarização social do trabalho se tornou o centro da
dinâmica do capitalismo mundializado. Isso tem se expressado de diversas
formas: nos altos índices de desemprego e em vínculos precários e intermitentes
de emprego; na intensificação do trabalho com aumento das jornadas (a exemplo
do banco de horas) e de altos níveis de produtividade; nas formas de controle
sobre o trabalho, o que tem disseminado o assédio moral como estratégia de
poder; no adoecimento dos trabalhadores; na fragilização política dos
sindicatos que estão pulverizados, muito em decorrência da terceirização, que
divide e discrimina os trabalhadores; e de uma pandemia de desrespeito aos
direitos trabalhistas.
Nesse último caso, o empresariado encontrou apoio no meio sindical, ao criticar
o descompasso da CLT com essa modernização no trabalho. De acordo com a
cartilha sobre o ACE, publicada peloSindicato dos Metalúrgicos do ABC,
a CLT já teria cumprido o seu papel e, embora reconheça que define regras
básicas para a relação capital/trabalho, posicionando-se em favor do mais
fraco, enfatiza que “a lei tolhe a autonomia dos trabalhadores e empresários,
impondo uma tutela pelo Estado que, como toda tutela, se converte em barreira
para o estabelecimento de um equilíbrio mais consistente. Onde existe controle
excessivo e regras engessadas, a liberdade morre” (ACE, Tribuna
Metalúrgica, Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, p. 13).
A negação dos direitos trabalhistas
Interpreto essa análise como a negação dos
direitos trabalhistas conquistados pelos trabalhadores brasileiros e
incorporados à CLT. A estrutural desigualdade e
assimetria na relação capital/trabalho se tornou muito maior na era da
acumulação flexível. Portanto, a proteção social e a garantia dos direitos
através da legislação e das instituições que operam o direito do trabalho são,
mais do que nunca, indispensáveis nos dias atuais. E, quando o argumento para
essa inovação sustenta-se nas transformações do trabalho nas últimas décadas,
sugerindo que é necessário se adaptar a esse “mundo novo”, faz uma avaliação
apologética dessas mudanças que estão sob o signo do neoliberalismo, da
reestruturação produtiva e da perversa financeirização da economia, que só tem destruído empregos e postos de trabalho. Limitar a
regulação do trabalho, afirmar sobre o engessamento da legislação em nome da
“livre negociação”, é um dos princípios do liberalismo dos tempos modernos.
Assim, afirmar que a CLT está
ultrapassada, com este tipo de argumento, é um risco muito grande, além
de criar uma situação mais problemática e arriscada para os trabalhadores,
quando defende individualizar as relações de negociação entre sindicato e
empresa, conforme afirma a cartilha: “Um passo fundamental para inovar no campo
das relações de trabalho é reconhecer que a atual legislação não dá conta de
resolver todas as demandas e conflitos, tampouco superar e atender às
expectativas dos trabalhadores e empresas em situações únicas, específicas,
para as quais a aplicação do direito no padrão celetista não mais alcança
resultados satisfatórios” (ACE, Tribuna Metalúrgica, Sindicato dos
Metalúrgicos do ABC, p. 39).
IHU On-Line – A iniciativa pode ser
interpretada como uma nova versão do princípio que o “negociado prevalece sobre
o legislado”?
Graça Druck – A justificativa da
proposta do anteprojeto do ACE, conforme já afirmei,
converge com aquela defendida pelas instituições patronais e pelo governo
federal à época do projeto conhecido como o “negociado sobre o legislado”
(Projeto de Lei n. 5483/2001 para alterar o Artigo 618 da CLT – que propunha
“as condições de trabalho ajustadas mediante convenção coletiva ou acordo
coletivo prevalecem sobre o dispositivo em lei desde que não contrarie a CF e
as normas de segurança e saúde do trabalho”), apresentado ao Congresso Nacional
pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Na defesa do
próprio presidente: “O princípio básico para a modernização das relações
trabalhistas está na livre convergência de interesses, como forma de resolver
os conflitos, em vez de negá-los ou de submetê-los à tutela do Estado”
(CARDOSO, F.H., Avança Brasil: proposta de governo. Brasília: s.
ed., 1998-A., p. 75).
Na defesa da Confederação Nacional
da Indústria – CNI, a mesma perspectiva: “É, pois, estratégico para o
Brasil a adoção de um modelo de relações de trabalho que, além de basear-se na
flexibilização de direitos, na livre negociação e em mecanismos de
autocomposição, reduza o excesso de regulação, de modo a redefinir um rol
mínimo de direitos fundamentais que leve em consideração as singularidades e as
múltiplas diferenças das condições existentes nas diversas regiões do país,
deixando que os interesses e as exigências das partes diretamente envolvidas se
ajustem em função de suas possibilidades e necessidades. O exercício permanente
e dinâmico da livre negociação entre os atores sociais é o caminho para
solucionar, de modo eficaz, preventivo e não intervencionista, as situações de
conflito e, ao mesmo tempo, vincular empregadores e trabalhadores ao exercício
de uma negociação subordinada ao interesse geral, por adesão consciente e
voluntária” (Agenda Legislativa da Indústria. Brasília: CNI, COAL, CAL 1998, p.
44; 1999, p. 51).
Os argumentos do Sindicato dos
Metalúrgicos do ABC para o ACE são muito semelhantes, pois, segundo a
cartilha do ACE, trata-se de “retomar o debate democrático sobre modernização das leis do
trabalho, sem medo de experimentar novos procedimentos de negociação
permanente entre empresas e trabalhadores. Em duas décadas de normalidade
constitucional, aos poucos, as greves deixaram de ser respondidas imediatamente
com repressão e demissões, embora aqui e ali o Brasil de 2011 ainda observe
lamentáveis repetições dessa velha atitude. (...) O autoritarismo do passado
abre lugar a comportamentos empresariais responsáveis. Em todas as regiões é
possível registrar experiências novas, de convivência pautada pelos princípios
básicos da democracia. Não cabe falar em parceria. Nem em pacto. A relação
entre empregadores e trabalhadores seguirá sempre pautada por evidentes
diferenças nos interesses econômicos e sociais. Trata-se, isto sim, de adotar
uma convivência respeitosa, onde todos reconhecem a existência dos desacordos e
respeitam as regras do jogo num clima de negociação permanente” (ACE, Tribuna
Metalúrgica, Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, p. 30).
Ao comparar as defesas da negociação entre sindicatos e empresas versus a
legislação na opinião empresarial, na posição do então presidente da
República, FHC, e na visão do Sindicato
dos Metalúrgicos do ABC, apenas quero demonstrar a sintonia nas posições que,
nos anos 1990, era ainda muito pequena, já que grande parte do sindicalismo
brasileiro e, em especial a CUT, resistia ao “negociado sobre o legislado”.
IHU On-Line – A iniciativa do Acordo Coletivo
Especial – ACE vem do sindicato dos metalúrgicos do ABC. Não se trata de uma
proposta corporativista? Como a senhora interpreta a ação sindical dos
metalúrgicos do ABC que já foram a vanguarda da luta operária? Uma das
principais bandeiras de lutas recentes do sindicato foi a redução da alíquota
do imposto de renda. Não é pouco para um dos principais sindicatos brasileiros?
Não estariam desconectados das lutas mais gerais da sociedade?
Graça Druck – Nos estudos da
sociologia do trabalho no Brasil, especialmente os que tratam do sindicalismo,
muito tem se discutido sobre a história dos sindicatos brasileiros. Há várias
teses que mostram as lutas sindicais antes de 1930, quando predominavam
sindicatos livres, e muitas outras que analisam a estrutura sindical criada
por Getúlio Vargas, bem como o seu desenvolvimento até os
dias atuais. Há certo consenso dos estudiosos no que se refere ao papel nefasto
da legislação, que criou uma estrutura sindical sob controle do estado e que
definiu os sindicatos como órgãos de colaboração de classes e, portanto, de
natureza corporativa. Entretanto, a história das lutas dos trabalhadores em
vários momentos impôs fissuras neste modelo. As greves do ABC no final dos anos
1970, nos anos 1980 e o surgimento do “novo sindicalismo”, para citar conjunturas mais recentes,
são exemplo das possibilidades de fazer frente a essa estrutura pela força das
mobilizações dos trabalhadores, criando as condições para uma efetiva autonomia
e liberdade sindical.
Embora a Constituição de 1988 tenha contemplado modificações na estrutura sindical, não alterou elementos
fundamentais, a exemplo do imposto sindical, dentre outros. O comportamento de
direções sindicais ainda presas a esse modelo ou que incorporaram a cultura
política do corporativismo demonstra que esse modelo criado por Vargas
ainda está vivo, mesmo depois de 77 anos. Há quem denomine esse
comportamento de neocorporativismo que, no caso do ABC, penso que foi exemplar
a câmara setorial da indústria automotiva. Mais recentemente, os acordos na
defesa dos empregos do ABC ou mesmo de São Bernardo do Campo, frente à guerra
fiscal e ao chamado deslocamento industrial, também caminharam na mesma
direção: um comportamento que fraciona os trabalhadores em nome de negociações
individualizadas, regionalizadas e descoladas das lutas mais gerais dos
próprios metalúrgicos brasileiros.
IHU On-Line – Qual é o balanço que faz do
movimento sindical brasileiro? Há uma tendência de cooptação na relação
sindicatos/governo?
Graça Druck – É difícil fazer
esse balanço em resposta a uma pergunta. Mas poderia dizer que, tomando por
referência alguns estudos e análises mais recentes, a exemplo das análises dos
sociólogosChico de Oliveira, Ricardo Antunes e Marcelo Badaró, tendo a
concordar que, a partir do governo Lula, houve uma política de cooptação das
lideranças sindicais. Essa cooptação se deu de várias maneiras: no plano mais
individual, através de cargos no aparelho do Estado e nas empresas estatais,
esvaziando os sindicatos de seus principais quadros, numa conjuntura em que os
sindicatos tiveram muito pouca renovação, dada a diminuição das lutas e da
resistência sindical nos anos 1990. O caso mais exemplar foi o presidente
da CUT assumir o Ministério do Trabalho e Emprego.
Essa nova inserção dos sindicalistas criou um ambiente de promiscuidade entre Estado, sindicatos e governo,
confundindo governo/estado e sindicatos/central sindical, o que só fez reforçar
o antigo modelo sindical criado por Getúlio Vargas. No plano político mais
geral, também foi reforçado e potencializado algo que já vinha acontecendo no
meio sindical: a partidarização dos sindicatos, isto é, uma política de usar o
sindicato como instrumento de reprodução do programa ou das proposições do
partido. E, no caso do PT, isso ficou mais complicado ainda, pois os sindicatos
passaram a ser utilizados como órgãos de defesa do governo (do PT), e não da
categoria profissional que ele representa. Uma situação que ultrapassa o modelo
de “sindicalismo de estado” para um “sindicalismo de governo”.
Situação exemplar desta política foi o caso, que conheço mais de perto, pois
está no interior do segmento ao qual pertenço – docentes das universidades
federais –, da criação de uma instituição nacional chamada Federação
de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituições Federais de Ensino
Superior – Proifes, criada com o incentivo do Ministério da Educação,
como fórum em 2004 e transformado em federação em 2012, para fazer frente ao
ANDES – sindicato nacional, fundado como associação em 1981, e transformado em
sindicato em 1988, cujas direções buscaram manter a representação dos docentes
universitários sem se confundir com o governo. O Proifes reúne sete associações
de instituições federais de ensino de um total de 59, e tem atuado na defesa
intransigente do governo federal, conforme demonstrado na atual greve nacional
dos docentes das universidades federais, negociando e assinando um acordo com o
governo que foi rejeitado por professores de 57 instituições.
IHU On-Line – Quais são os principais
desafios que se apresentam para o movimento sindical brasileiro?
Graça Druck – A história recente
dos sindicatos no Brasil é muita rica. Penso que estamos entrando numa nova
fase inspirada nos movimentos sociais que lutam contra a crise mundial, a exemplo
dosIndignados na Europa e do Occupy
Wall Street nos EUA. Uma das principais reivindicações desses
movimentos é por emprego. Não foram os sindicatos nem as centrais sindicais que
iniciaram essas mobilizações. Foram chegando aos poucos e aderindo às
manifestações. Talvez o grande desafio para o movimento sindical brasileiro e
no mundo esteja em compreender a natureza dessas lutas contra a crise e o lugar
dos sindicatos nesse processo. Isso porque existe uma forte tradição, tanto no
plano das práticas políticas como no campo dos estudos acadêmicos, de separar o
movimento sindical do movimento social, e até mesmo de criar certa concorrência
entre eles. Considero que é necessário repensar essa relação na perspectiva de “politizar” a luta
sindical, isto é, de sair da defesa corporativa, da luta estrita por
reivindicações econômicas e avançar numa luta social e anticapitalista, como
indicam os movimentos contra a crise mundial. É preciso pensar, portanto, numa
organização horizontalizada, constituindo redes de contrapoderes que rompam com
a cultura sindical hegemônica sustentada na separação, na divisão, no
fracionamento, na individualização que o corporativismo criou, colocando em
risco os direitos trabalhistas conquistados.
Nessa perspectiva, cabe informar e divulgar uma
reação a essa proposição do ACE, consubstanciada no manifesto “Não ao Projeto de Acordo com Propósito Específico do
SMABC”, por iniciativa de juízes do trabalho, que conta hoje com a
assinatura de autoridades no campo das instituições do direito do trabalho no
Brasil, como juízes, advogados trabalhistas, auditores fiscais, procuradores do
trabalho, bem como profissionais e estudiosos sobre o mundo do trabalho no
país, que se contrapõem radicalmente a essa tentativa de desrespeito ao Direito
do Trabalho. Um movimento para além dos sindicatos, expressando uma luta
política de membros de instituições da sociedade civil e de instituições
operadoras do direito do trabalho no país na defesa dos direitos dos
trabalhadores.
IHU On-Line – Como a senhora vê o governo
Dilma em relação à agenda do trabalho? Há iniciativas interessantes ou
retrocessos?
Graça Druck – Até o momento não
consegui identificar nenhuma medida do governo Dilma em relação à agenda do
trabalho que representasse um avanço efetivo para os trabalhadores. Em linhas
gerais, ela deu continuidade às principais políticas do governo Lula, que
priorizaram os programas sociais e focalizados, a exemplo do Programa Bolsa Família. Entretanto, no campo da
flexibilização da legislação trabalhista, o governo retoma as decisões do Fórum
Nacional do Trabalho – FNT, criado por ele em 2003, cujas proposições
foram resultado de um consenso entre governo, centrais sindicais e empresários.
Cabe ressaltar duas propostas de mudanças que constam no relatório final do
FNT: 1) a representação nos locais de trabalho será feita através de representação
sindical, ou seja, sob o controle e direção dos sindicatos; e 2) a negociação
coletiva como processo obrigatório, cujo marco normativo deve levar em conta as
diferentes realidades (dos setores, de empresas, de trabalhadores),
“...ressalvados os direitos definidos em lei como inegociáveis”. Naquela época,
minha análise era que essas proposições já indicavam, no primeiro caso, a
desistência na luta pela organização autônoma por local de trabalho, tão
reiteradamente defendida pelos documentos dos congressos da CUT até início dos
anos 1990. E, no segundo caso, sobre a negociação, uma definição que expressava
o esforço pelo consenso entre trabalhadores e empregadores a respeito do tão
combatido projeto do “negociado sobre o legislado” pelo PT e sindicatos
cutistas e, ao mesmo tempo, tão defendido pelas entidades patronais.
O que se vê neste momento é que o anteprojeto do
ACE trata-se de uma reedição dessas duas proposições, quando define os Comitês
Sindicais de Empresa como representação do sindicato profissional no local de
trabalho, como peça-chave para que o Ministério do Trabalho “habilite”, ou
seja, autorize que esse sindicato tem a liberdade (concedida pelo Estado) para
negociar com a empresa. E a definição da prevalência da negociação de um
sindicato com uma empresa em termos de normas e condições específicas de
trabalho, agora com “segurança jurídica”, pois sindicatos e empresas passarão a
“gozar de liberdade para fixar particularidades que nenhuma lei, por mais
detalhista que seja, conseguiria definir com eficácia” (ACE, Tribuna
Metalúrgica, Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, p. 42).
Portanto, o que o governo Lula não conseguiu
implementar em dois mandatos, em termos de flexibilização da legislação do
trabalho, já que a maior parte das decisões do Fórum Nacional do
Trabalho ficou em suspenso e não tramitou no Congresso Nacional, o
governo Dilma busca implementar agora com o envio do Projeto do ACE, já
assumido pelo secretário-geral da Presidência da República, Gilberto
Carvalho, como uma proposta do Executivo. A diferença em relação
ao FNT é que, agora, a origem da proposta não é de um
fórum tripartite ou de negociação entre sindicatos e empresários, mas tem a
autoria e fervorosa defesa de uma instituição de representação dos
trabalhadores: o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. E, nesse caso, considero
essa iniciativa do governo um retrocesso.
IHU On-Line – Em sua avaliação, por que o
governo vem endurecendo na negociação com os servidores federais? Quais são os
riscos dessa postura de enfrentamento?
Graça Druck – Essa é a questão
mais difícil de responder e, ao mesmo tempo, muito instigante. Isso porque
estou diretamente envolvida nesse movimento dos funcionários públicos federais, já que sou professora da
Universidade Federal da Bahia. A greve dos docentes foi a primeira a ser
deflagrada e já começou forte com a adesão de 30 universidades na primeira
semana. E chegou a atingir 58 de um total de 59 instituições federais de
ensino. Seguiram-se a deflagração da greve dos funcionários
técnico-administrativos e também dos estudantes das universidades. Hoje
completam-se 90 dias de greve dos docentes. O que me levou a aderir à greve? E
por que o movimento cresceu com essa força? O que motivou os professores das
universidades federais a paralisarem as suas atividades e passarem a se reunir
para discutir as suas responsabilidades como docentes e produtores de
conhecimento?
Porque estamos vivendo uma situação-limite.
Estamos em condições de trabalho que têm comprometido a nossa saúde e a
qualidade do ensino e da pesquisa que realizamos. Segundo dados da própria
UFBA, ela sofreu uma significativa ampliação do número de estudantes de
graduação – 40% nos últimos 10 anos – e de pós-graduação – 59%, só no campus de
Salvador, o que era um desejo da sociedade. Entretanto, nesse mesmo período, o
número de docentes cresceu apenas 15% e o de funcionários
técnico-administrativos reduziu em 2%. Uma ampliação, portanto, que não levou
em conta o que é crucial para dar sustentação a esse justo aumento de
estudantes: um quadro de professores e funcionários que possa atender de forma
decente a esse crescimento.
Condições de trabalho
Mas quais são as reais condições de trabalho,
hoje, na universidade? Vivemos exercendo uma polivalência sem limites: aulas na graduação
e pós-graduação com orientações de projetos de dissertações de mestrado e teses
de doutorado; coordenação e execução de projetos de pesquisa individual e/ou
coletiva; escritores e editores de publicações; gestores nas instituições
universitárias (chefias de departamento, colegiados de cursos, diretores de
unidades, colegiados de pós-graduação, pró-reitorias e inúmeros cargos de
comissões acadêmicas e de ensino); captadores de recursos através da
participação em editais de pesquisa, extensão e de infraestrutura; administradores
de recursos com inúmeros relatórios técnicos e financeiros de prestação de
contas; executores de atividades burocráticas em substituição à inexistência de
funcionários técnico-administrativos; dentre outras. Além disso, o trabalho
docente tem se desenvolvido em uma estrutura insuficiente e precária:
laboratórios, salas de aula, bibliotecas, elevadores etc. que não contam com
uma política permanente de manutenção, degradando ainda mais as condições de
trabalho.
Desvalorização
Vivemos uma situação de crescente desvalorização do nosso trabalho. No conjunto do serviço
público federal, os profissionais da educação estão entre os que recebem os
mais baixos salários. A atual estrutura da nossa carreira cria uma forte
desigualdade entre os docentes, aprofundada pela progressiva perda de direitos
implementada por medidas provisórias e decretos-leis, a exemplo da reforma da
previdência que impõe às mais novas gerações de docentes retirar, dos seus já
insuficientes salários, uma parcela para pagamento de previdência privada, se
quiserem ter uma aposentadoria que lhes garanta uma sobrevivência digna.
Nessa situação, houve intransigência do governo.
Havia um grupo de negociação com os sindicatos nacionais dos docentes e governo
desde 2010 sobre a carreira docente e o governo adiou sistematicamente a
apresentação de uma proposta. As condições objetivas de trabalho e a indisposição
do governo para a negociação levaram a deflagração da greve.
Hoje são 350 mil funcionários públicos em greve,
atingindo 30 setores de atividades. Sem dúvida a maior greve já ocorrida. A
abertura das negociações, através do Ministério do Planejamento e Gestão, que
tem centralizado as negociações com as diversas categorias em greve, demorou
muito. E as propostas apresentadas não estão sendo aceitas porque estão muito
distantes do que está sendo reivindicado.
Ao contrário do que afirmava em seu discurso
eleitoral, a presidente Dilma não tem tomado medidas para
valorizar o serviço público no país, em especial a educação pública. E, no que
se refere ao conjunto do funcionalismo, resolveu adotar medidas repressivas,
como o corte de ponto e a substituição dos grevistas em determinados setores
que interferem diretamente sobre a atividade econômica, bem como a ameaça de
improbidade administrativa aos dirigentes de instituições federais, a exemplo
dos reitores das universidades. Essas medidas têm causado graves danos
políticos ao governo, a exemplo de defecções internas de ocupantes de cargos de
confiança na administração pública, e da reação das centrais sindicais
alinhadas com o governo, como a CUT, que tiveram que sair
na defesa do direito de greve e do movimento do funcionalismo público,
questionando a posição do governo. Sem dúvida, um desgaste político do governo
que ainda não se pode avaliar quais dimensões poderá atingir, pois até o
momento a tendência tem sido o crescimento da greve em resposta à atuação do
governo Dilma.
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Veja também:
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Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
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